"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Ironia e Filosofia (Parte 04/10)


A missão de Sócrates

“A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não sabe? É talvez nesse ponto, senhores, que difiro do comum dos homens; se nalguma coisa me posso dizer mais sábio que alguém, é nisto de, não sabendo o bastante sobre o Hades , não pensar que o saiba. Sei, porém, que é mau e vergonhoso praticar o mal, desobedecer a um melhor do que eu, seja deus, seja homem; por isso, na alternativa com males que conheço como tais, jamais fugirei de medo do que não sei se será um bem.
“Portanto, mesmo que agora me dispensásseis, desatendendo ao parecer de Ânito, segundo o qual, antes do mais, ou eu não devia ter vindo aqui, ou, já que vim, é impossível deixar de condenar-me à morte, asseverando ele que, se eu lograr absolvição, logo todos os vossos filhos, pondo em prática os ensinamentos de Sócrates, estarão inteiramente corrompidos; mesmo que, apesar disso, me dissésseis: ‘Sócrates, por ora não atenderemos a Ânito e te deixamos ir, mas com a condição de abandonares essa investigação e a filosofia; se fores apanhado de novo nessa prática, morrerás’; mesmo, repito, que me dispensásseis com essa condição, eu vos responderia:
‘Atenienses, eu vos sou reconhecido e vos quero bem, mas obedecerei antes ao deus que a vós; enquanto tiver alento e puder fazê-lo, jamais deixarei de filosofar, de vos dirigir exortações, de ministrar ensinamentos em toda ocasião àquele de vós que eu deparar, dizendo-lhe o que costumo: ‘Meu caro, tu, um ateniense, da cidade mais importante e mais reputada por sua cultura e poderio, não te pejas de cuidares de adquirir o máximo de riquezas, fama e honrarias, e de não te importares nem cogitares da razão, da verdade e de melhorar quanto mais a tua alma?’ E se alguém de vós redargüir que se importa, não me irei embora deixando-o, mas o hei de interrogar, examinar e confundir e, se me parecer que afirma ter adquirido a virtude e não a adquiriu, hei de repreendê-lo por estimar menos o que vale mais e mais o que vale menos. É o que hei de fazer a quem eu encontrar, moço ou velho, forasteiro ou cidadão, principalmente aos cidadãos, porque me estais mais próximos no sangue. Tais são as ordens que o deus me deu, ficai certos. E eu acredito que jamais aconteceu à cidade maior bem que minha obediência ao deus”. (PLATÃO, 1972, p. 21)

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