Ironia e Filosofia (Parte 10/10)
Machado de Assis (1839-1904)
A Ironia em Machado de Assis
A ironia é um recurso de pensamento freqüentemente utilizado na literatura brasileira. Consiste em dizer o contrário do que se está pensando ou em satirizar, questionar certo tipo de comportamento com a intenção de ridicularizá-lo, de ressaltar algum aspecto passível de crítica. Machado de Assis assume o realismo para questionar os valores da sociedade carioca fundada no romantismo burguês europeu e decadente do século XIX. Para isso o autor cria um personagem: Brás Cubas. Em Memórias Póstumas de Braz Cubas, um romance considerado realista, Machado de Assis dá vida a um narrador que já está morto a fim de narrar a vida com total isenção, e descomprometimento. Ironicamente, Brás Cubas assim escreve a dedicatória do livro: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”. Leiamos um fragmento de Memórias Póstumas de Brás Cubas:
Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirto que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência. (...) Mas, na morte, que diferença! Que desabafo! Que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregarse, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigo s, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial perde a virtude, logo que pisamos o território da morte; não digo que ele se estenda para cá, e nos não examine julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados.(Machado de Assis)
Machado de Assis, a partir do realismo, faz uma forte crítica ao romantismo. O romantismo exerceu forte influência na elite burguesa carioca do final do século XIX apropriando-se do ideário burguês europeu. Ao criar o personagem Brás Cubas, Machado de Assis buscará, por meio da ironia, criticar esse ideário burguês. Ao dedicar o livro ao “verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver”, Brás Cubas ironiza o sentimento de superioridade da elite carioca, indicando que todos serão comidos pelos mesmos vermes. Ao contrário de Sócrates, que na visão de Merleau-Ponty, já visto anteriormente, não gozava de imunidade literária, para Brás Cubas essa imunidade não é suficiente, pois somente a morte é que lhe permite falar livremente de si e dos vivos, fazendo pouco caso do julgamento desses últimos.
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