Ilíada
A cólera de Aquiles, como se anuncia desde o primeiro verso, é o motivo central da Ilíada, epopéia do poeta grego Homero, que inicia a literatura narrativa ocidental. Relato de um dos episódios da guerra de Tróia, travada entre gregos e troianos, a ação da Ilíada se situa no nono ano depois do começo da guerra, a qual duraria um ano mais, e abarca no conjunto cerca de 51 dias. O título deriva de Ílion, nome grego de Tróia. O poema é constituído por 15.693 versos, em 24 cantos de extensão variável. A divisão em cantos foi feita pelos filólogos de Alexandria. A Ilíada narra um drama humano, o do herói Aquiles, filho da deusa Tétis e do mortal Peleu, rei de Ftia, na Tessália, em torno do fim da guerra dos gregos contra Tróia. Segundo a lenda, a guerra foi motivada pelo rapto de Helena, esposa do rei de Esparta, Menelau, por Páris, filho do rei Príamo, de Tróia. Agamenon, chefe dos exércitos gregos, arrebatara a Aquiles, o mais valoroso dos guerreiros gregos, sua cativa Briseide. Em protesto, Aquiles retirou-se para o acampamento com seus guerreiros, e recusou-se a entrar em combate. É nesse momento que tem início a Ilíada, com o verso "Canto, ó deusa, a cólera de Aquiles". Para apaziguar Aquiles, Agamenon envia-lhe mensageiros, com o pedido de que entre na luta. Aquiles recusa-se e Agamenon com seus homens entram no combate. Os troianos tomam de assalto as muralhas gregas e chegam até os navios. Aquiles concorda em emprestar a armadura a seu amigo Pátroclo, que repele os troianos mas é morto por Heitor. Cheio de dor pela morte do amigo, Aquiles esquece a divergência com os gregos e investe contra os troianos, vestido com uma armadura feita por Hefesto, deus das forjas. Consegue fazer recuar para dentro dos muros da cidade todos os troianos, menos Heitor, que o enfrenta, mas aterrorizado pela fúria de Aquiles, tenta fugir. Aquiles o persegue e finalmente atravessa-lhe com a lança a garganta, única parte descoberta de seu corpo. Agonizante, Heitor pede-lhe que não entregue seu cadáver aos cães e às aves de rapina, mas Aquiles nega piedade, e depois de atravessar sua garganta mais uma vez com a lança, ata-o pelos pés a seu carro e arrasta o cadáver em volta do túmulo de Pátroclo. Somente com a intervenção de Zeus, Aquiles aceita devolver o cadáver a Príamo, rei de Tróia e pai de Heitor. O poema termina com os funerais do herói troiano. Alguns dos personagens da Ilíada, em particular Aquiles, encarnam o ideal heróico grego: a busca da honra ao preço do sacrifício, se necessário; o valor altruísta; a força descomunal mas não monstruosa; o patriotismo de Heitor; a fiel amizade de Pátroclo; a compaixão de Aquiles por Príamo, que o levou a restituir o cadáver de seu filho Heitor. Nesse sentido, os heróis constituem um modelo, mas o poema mostra também suas fraquezas - paixões, egoísmo, orgulho, ódio desmedido. Toda a mitologia helênica, todo o Olimpo grego, com seus deuses, semideuses e deidades auxiliares, estão maravilhosamente descritos. Os deuses, que mostram vícios e virtudes humanas, intervêm constantemente no desenvolvimento da ação, alguns em favor dos aqueus, outros em apoio aos troianos. Zeus, o deus supremo do Olimpo, imparcial, intervém apenas quando o herói ultrapassa os limites, ao proporcionar o tenebroso espetáculo de passear à volta de Tróia arrastando o cadáver mutilado de Heitor. O poema encerra grande volume de dados e pormenores geográficos, históricos, folclóricos e filosóficos, e descreve com perfeição os modelos de conduta e os valores morais da sociedade do tempo em que foi escrita a obra. Uma questão muito discutida é o fundo histórico do ciclo da guerra de Tróia. Possivelmente, sua origem remonta a reminiscências da luta, travada antes da invasão dória, no século XII a.C., entre povos de cultura micênica, como os aqueus, e um estado da Anatólia, o de Tróia. É historicamente comprovada a existência de estabelecimentos micênicos na Anatólia, sem que se conheçam as causas possíveis da guerra. O mundo helênico a que se refere a Ilíada não parece circunscrever-se ao de uma época cronológica determinada. É muito provável que as lendas foram incorporando elementos de diferentes etapas da civilização, no curso de sua transmissão oral e até textual. Aponta-se, por exemplo, a descrição de armamentos e técnicas militares, e até rituais, correspondentes a diferentes períodos históricos, desde o micênico a aproximadamente meados do século VIII a.C. Salvo alguns prováveis acréscimos atenienses, nenhum dado ultrapassa esse período, o que reforça a tese de que o poema foi redigido nesse último período. A língua e o estilo homéricos foram em grande medida herdados da tradição épica. Por esse motivo, a língua, basicamente o dialeto jônico, com numerosos elementos eólios, é um tanto artificial e arcaizante, e não corresponde a nenhuma modalidade falada normalmente. A métrica empregada é o hexâmetro, verso tradicional na épica grega.
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