A Ditadura Militar no Brasil - 1964
“Este é tempo de divisas,
tempo de gente cortada...
É tempo de meio silêncio, de
boca gelada e murmúrio,
palavra indireta, aviso na
esquina.”
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
“Dormia
A nossa Pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações.”
CHICO BUARQUE DE HOLLANDA
Recife, 1964. Beira da praia, brisa da noite, mansões dos usineiros. As
garrafas de champanha são abertas. Festa. Pessoas bonitas, perfume, olhares de
fêmeas, dentes brancos de alegria. As risadas unem o gozo ao deboche. Vida
longa para o novo governo! Que nunca mais se falem em greves nem nessa maldita
terra para os camponeses! Morte aos inimigos da propriedade!
Um pouco longe dali, noite negra e silêncio. De repente, chegam os
soldados. Vasculham os casebres. Procuram os inimigos da pátria. As pessoas
simples têm medo. Precisam dormir cedo porque amanhã têm de ir para roça cortar
cana. Mas o olho continua aberto. Só a boca é que permanece fechada.
No quartel, homens armados de fuzil automático arrastam o ancião.
Espancado em praça pública. Maxilar quebrado por uma coronhada de rifle.
Chutaram-lhe tanto os testículos, que arrebentou a bexiga. Vai urinar sangue
por quase um mês, O velho ferido está algemado. Ao seu redor, caminhões do
Exército, berros de oficiais, rádio, holofotes, metralhadoras,
Por que tanto aparato? Por que tantos homens, tantas armas, tanta força
bruta? Por que o velhinho é tão perigoso?
Gregório Bezerra nasceu no sertão. Criancinha viveu a fome e a
prepotência dos latifundiários. Foi quase um escravo. Brinquedo de menino era
enxada e foice, sonho de um dia comer carne-seca. Nunca viu escola. Só aprendeu
a ler e escrever com 24 anos, quando servia o Exército - e nunca mais deixaria
o orgulho de ter sido militar. Pouca instrução, mas o conhecimento da vida e a
argúcia do homem do povo.
Um dia, entrou em contato com aquela gente estranha. Falavam coisas que
ele nunca tinha ouvido, mas que, extraordinariamente, parecia já saber. Alguns
eram até doutores, mas o tratavam como igual. Muitos dos estranhos eram como
Gregório, como Severino, como José, como tantos outros: mãos de calo, cara
rasgada de sol, trabalho e sofrimento.
Ouviu, refletiu e juntou-se a eles.
Voltava ao canavial, onde o homem perde a perna, ou o juízo, pela picada
de cobra, o golpe errado do facão, o jeito doido de o capataz falar. Mas agora,
era ele que tinha o que dizer para contar para os seus irmãos de labuta. Nos
campos, nos mocambos miseráveis, nas portas das usinas e das fábricas, Gregório
seria a voz da consciência dos que ainda não tinham consciência, a posse dos
que nada possuíam. Ele era o homem do povo que descobre sua força e,
finalmente, se levanta. Em vez de lamentar suas misérias, ergue-se para
combatê-las.
Sabia falar a língua dos humildes e fazer as perguntas decisivas; a quem
pertence? A quem é dado? O que se deve transformar? Os homens mais poderosos de
Pernambuco o temiam. Gregório Bezerra, velho quase analfabeto, ferido e
enjaulado em 1964. Líder camponês, ex-deputado federal, inimigo do latifúndio.
E se um dia todos aqueles homens e mulheres com as mãos grossas e rosto
queimado se transformassem em milhões de Gregórios? Era preciso evitar a
qualquer custo.
Por isso, Gregório Bezerra tinha sido preso. Naquele momento, os grandes
senhores da terra comemoravam sua vitória. O reveillon de 1964 acontecia em 31
de março.
Fontes bibliográficas:
História do Brasil – Luiz Koshiba –
Ed. Atual
História Crítica do Brasil – Mário
Schmidt – Ed. Novos Tempos
História do Brasil – Boris Fausto –
Ed. Difel
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