A razão histórica
Conforme vimos no capítulo anterior, nem todos os filósofos
aceitaram a solução hegeliana para as dificuldades criadas para a razão com o
conflito entre inatismo e empirismo.
É o caso do filósofo alemão Edmund Husserl, criador da fenomenologia
(que descreve as estruturas da consciência), que manteve o inatismo, mas com as
contribuições trazidas pelo kantismo. Em outras palavras, a fenomenologia
considera a razão uma estrutura da consciência (como Kant), mas cujos conteúdos
são produzidos por ela mesma, independentemente da experiência (diferentemente
do que dissera Kant).
O que chamamos de “mundo” ou “realidade”, diz Husserl, não
é um conjunto ou um sistema de coisas e pessoas, animais e vegetais. O mundo ou
a realidade é um conjunto de significações ou de sentidos que são
produzidos pela consciência ou pela razão. A razão é “doadora do sentido” e ela
“constitui a realidade” enquanto sistemas de significações que dependem da
estrutura da própria consciência.
As significações não são pessoais, psicológicas, sociais,
mas universais e necessárias. Elas são as essências, isto é, o sentido
impessoal, intemporal, universal e necessário de toda a realidade, que só
existe para a consciência e pela consciência. A razão é razão subjetiva que
cria o mundo como racionalidade objetiva. Isto é, o mundo tem sentido objetivo
porque a razão lhe dá sentido.
Assim, por exemplo, a razão não estuda os conteúdos
psicológicos de minha vida pessoal, mas pergunta: O que é a vida psíquica? O
que são e como são a memória, a imaginação, a sensação, a percepção?
A pergunta “O que é?” não se refere a uma descrição dos
processos mentais e físicos que nos fazem lembrar, imaginar, sentir ou
perceber. Essa pergunta se refere à descrição do sentido da memória, da
imaginação, da sensação, da percepção, isto é, se refere à essência
delas, independentemente de nossas experiências psicológicas pessoais. A fenomenologia
não indaga, por exemplo, se uma certa idéia ou uma certa opinião são causadas
pela vida em sociedade, mas pergunta: O que é o social? O que é a sociedade? As
respostas a essas perguntas formam as significações ou essências
e são elas o conteúdo que a própria razão oferece a si mesma para dar sentido à
realidade.
A fenomenologia afasta-se, portanto, da solução hegeliana,
pois não admite que as formas e os conteúdos da razão mudem no tempo e com o
tempo. Elas se enriquecem e se ampliam no tempo, mas não se transformam por
causa do tempo.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite
à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.
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