"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Razão e sociedade


Diferentemente da fenomenologia, outros filósofos, como os que criaram a chamada Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica, adotam a solução hegeliana, mas com uma modificação fundamental. Os filósofos dessa Escola, como Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Max Horkheimer, têm uma formação marxista e, por isso, recusam a idéia hegeliana de que a História é obra da própria razão, ou que as transformações históricas da razão são realizadas pela própria razão, sem que esta seja condicionada ou determinada pelas condições sociais, econômicas e políticas.  

Para esses filósofos, o engano de Hegel está, em primeiro lugar, na suposição de que a razão seja uma força histórica autônoma (isto é, não condicionada pela situação material ou econômica, social e política de uma época), e, em segundo lugar, na suposição de que a razão é a força histórica que cria a própria sociedade, a política, a cultura. Para esses filósofos, Hegel está correto quando afirma que as mudanças históricas ocorrem pelos conflitos e contradições, mas está enganado ao supor que tais conflitos se dão entre diferentes formas da razão, pois eles se dão como conflitos e contradições sociais e políticas, modificando a própria razão.
Os filósofos da Teoria Crítica consideram que existem, na verdade, duas modalidades da razão: a razão instrumental ou razão técnico-científica, que está a serviço da exploração e da dominação, da opressão e da violência, e a razão crítica ou filosófica, que reflete sobre as contradições e os conflitos sociais e políticos e se apresenta como uma força liberadora.
A Escola de Frankfurt mantém a idéia hegeliana de que há uma continuidade temporal ou histórica entre a forma anterior da racionalidade e a forma seguinte: a razão moderna, por exemplo, não surge de repente e do nada, mas resulta de contradições e conflitos sócio-políticos do final da Idade Média e da Renascença, de modo que, ao superar a racionalidade medieval e renascentista, nasce como racionalidade moderna.
Cada nova forma da racionalidade é a vitória sobre os conflitos das formas anteriores, sem que haja ruptura histórica entre elas. Mudanças sociais, políticas e culturais determinam mudanças no pensamento, e tais mudanças são a solução realizada pelo tempo presente para os conflitos e as contradições do passado.
A razão não determina nem condiciona a sociedade (como julgara Hegel), mas é determinada e condicionada pela sociedade e suas mudanças. Assim, os inatistas se enganam ao supor a imutabilidade dos conteúdos da razão e os empiristas se enganam ao supor que as mudanças são acarretadas por nossas experiências, quando, na verdade, são produzidas por transformações globais de uma sociedade.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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