Governo Castelo Branco (1964 – 1967)
Bem que Leonel Brizola propôs ao presidente Jango resistir ao golpe de
1964 com armas na mão, a partir do Rio Grande do Sul. Mas o presidente, muito
deprimido, não queria derramamento de sangue. Como milhares de brasileiros, os
dois também se exilaram no estrangeiro.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro - Copacabana e Ipanema -, a classe
média se confraternizava com a burguesia. Chuva de papel picado, toalhas nas
janelas, buzinaço, banda e chope. Abraços, choro de alegria, alívio pelo fim da
desordem. O Brasil estava salvo do comunismo! Os crioulos não invadiriam mais
as casas das pessoas de bem! As empregadinhas voltariam a ficar de cabeça
baixa!
Mas nos subúrbios o medo substituía o chope. Ali, a revolução iria
procurar os "inimigos do Brasil". E quem seriam esses monstros?
Pessoas simples, enrugadas pelo trabalho duro, mas que tinham ousado não se
curvar; operários, camponeses, sindicalistas.
Nenhum banqueiro, nenhum megaempresário, nenhum tubarão foi sequer
chamado para depor numa delegacia, Eram todos homens de bem, pessoas que amavam
o próximo... principalmente se o próximo fosse um bom parceiro de negócios.
Os soldados armados de fuzis prendiam milhares de pessoas: dirigentes
populares, intelectuais, políticos democratas. A UNE foi proibida e seu prédio,
incendiado. A CGT, fechada. Sindicatos invadidos à bala. Nas escolas e
universidades, professores e alunos progressistas expulsos. Os jornais foram
ocupados por censores e muitos jornalistas postos na cadeia. A ordem era calar
a boca de qualquer oposição.
Os políticos que não concordaram com o golpe, geralmente do PTB, tiveram
seus mandatos cassados. Ou seja,
perderam seus direitos políticos por dez anos. O primeiro cassado, inimigo
número um do regime, foi Luís Carlos Prestes. O segundo foi o ex-presidente
João Goulart. Depois, veio uma lista de milhares de pessoas que foram demitidas
de empregos públicos, presas, perseguidas, arruinadas em sua vida particular.
Juscelino e Jânio também perderam seus direitos, para que não tentassem nenhuma
aventura engraçadinha na política. Só a UDN não teve punidos: coincidência,
não?
Os comunistas, claro, eram perseguidos como ratos. Muitos foram presos e
espancados com brutalidade. O pior é que o xingamento de “comunista” servia
para qualquer um que não concordasse com o regime. Seria o suficiente para ser
instalado numa cela, Fariam a reforma agrária num cubículo 2 X 2 e
socializariam a propriedade do buraco no chão que servia de privada.
Para espionar a vida de todos os cidadãos, foi criado em 1964 o SNI (Serviço Nacional de Informações).
Havia agentes secretos do SNI em quase todos os cantos: escolas, redações de
jornais, sindicatos, universidades, estações de televisão. Microfones, filmes,
ouvidos aguçados. Bastava o agente do SNI apontar um suspeito para ele ser
preso. Imagine o clima numa sala de aula, por exemplo. Eu mesmo perguntei,
certa vez, a um professor de história, “o que ele achava” de algo que os militares
haviam decretado. Ele, apavorado, respondeu algo como: “Não acho nada! Eu tinha
um amigo que achava muito e hoje ninguém acha ele!” Eram muitos os
“desaparecidos” naqueles tempos... O professor correndo o risco de ser detido
caso fizesse uma crítica ao governo. Os alunos, falando baixinho, desconfiando
de cada pessoa nova, apavorados com os dedos-duros. A ditadura comprometia até
as novas amizades! O pior é que o SNI cresceu tanto que quase acabou tendo vida
própria, independente do general-presidente, a quem estava ligado. Seu criador,
o general Golbery do Couto e Silva, no final da vida, diria amargurado: “Criei
um monstro.”
O novo governo passou a governar por decreto, o chamado AI (Ato Institucional) O presidente
baixava o AI sem consultar ninguém e todos tinham de obedecer. O AI-1 determinava que a eleição para
presidente da República seria indireta. Ou seja, com O Congresso Nacional já
sem os deputados e senadores incômodos, devidamente cassados, e um único
candidato. Adivinha quem ganhou? Pois é, em 15 de abril de 1964 era anunciado o
primeiro general-presidente, que iria nos governar segundo interesses do grande
capital estrangeiro nos próximos anos: Humberto
de Alencar Castello Branco.
Castello tinha sido um dos figurões da Sorbonne, ou seja, dos
intelectuais da ESG. A maioria de seus ministros também era oriunda da ESG, a
“Escola Superior de Guerra”, réplica nacional do “War College” norte-americano.
Tranquilos com a vitória, os generais nem se importaram com as eleições diretas
para governador em 1965. Esperavam que o povo brasileiro em massa votasse nos
candidatos do regime. Estavam errados. Na Guanabara e em Minas Gerais venceram
políticos ligados ao ex-presidente Juscelino Kubitschek (em São Paulo não houve
eleições; seriam depois.) Mostra clara de que alguns meses depois do golpe
ainda tinha muita gente que não apoiava o regime. Pois bem, os militares
reagiram. Vinte e poucos dias depois das eleições desastrosas, foi baixado o AI-2, que acabava em definitivo com as
eleições diretas para presidente da República. Agora, o presidente seria
“eleito” indiretamente, ou seja, só votariam os deputados e senadores. Voto
nominal e declarado, ou seja, o deputado era chamado lá na frente para dizer,
no microfone, se votava ou não no candidato do regime. Quantos teriam coragem
de dizer, na cara dos ditadores, que não aprovavam aquela palhaçada? Muito
poucos, inclusive porque os mais ousados eram sumariamente cassados.
O AI-2 também acabou com os partidos políticos tradicionais. O PSD, o
PTB, a UDN, tudo isso foi proibido de funcionar. Agora, só poderiam existir
dois partidos políticos: a Arena e o MDB.
A Arena (Aliança Renovadora
Nacional) era o partido do governo. Estavam ali todos os políticos de
direita que apoiavam descaradamente a ditadura. De onde vinham? Basicamente, da
UDN. Mas também um bando de gente do PSD, do PSP de Adhemar de Barros e, por
incrível que pareça, muitos da velha guarda integralista. Apoiavam o regime
militar em tudo que ele fazia.
O MDB (Movimento Democrático
Brasileiro) era o partido da oposição consentida. A ditadura, querendo uma
imagem de democrática, permitia a existência de um partido levemente contrário.
Contanto que ninguém fizesse uma oposição muito forte. O MDB era formado pelos
que sobraram das cassações, um pessoal do PTB, alguns do PSD. No começo, a
oposição era muito tímida. Nos anos 70, porém o MDB conseguia votações cada vez
maiores para deputados e senadores. Então seus políticos - muitos eram novos
valores surgidos na década - começaram a fazer uma oposição importante ao
regime, capitaneados pela figura do deputado paulista Ulisses Guimarães (1916-1992). Naqueles tempos, brincando é que se
diz a verdade, comentávamos que o MDB era o “Partido do Sim” e a ARENA era o
“Partido do Sim Senhor!”
O AI-3, do começo de 1966,
determinava que as eleições para governador também seriam indiretas. Os únicos
com direito a voto eram os deputados estaduais, que tinham de ir lá na frente e
declarar para todo mundo em quem votavam. Mais intimidação seria impossível,
não é mesmo? O circo estava todo armado para que a ARENA governasse todos os
setores da vida nacional.
Fontes bibliográficas:
História do Brasil – Luiz Koshiba –
Ed. Atual
História Crítica do Brasil – Mário
Schmidt – Ed. Novos Tempos
História do Brasil – Boris Fausto –
Ed. Difel
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