"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Bacon e Descartes: a preocupação com o conhecimento


Os gregos indagavam: como o erro é possível? Os modernos perguntaram: como a verdade é possível? Para os gregos, a verdade era aletheia, para os modernos, veritas. Em outras palavras, para os modernos trata-se de compreender e explicar como os relatos mentais – nossas ideias – correspondem ao que se passa verdadeiramente na realidade. Apesar dessas diferenças, os filósofos retomaram o modo de trabalhar filosoficamente proposto por Sócrates, Platão e Aristóteles, qual seja, começar pelo exame das opiniões contrárias e ilusórias para ultrapassá-las em direção à verdade. 

Antes de abordar o conhecimento verdadeiro, Bacon e Descartes examinaram exaustivamente as causas e as formas do erro, inaugurando um estilo filosófico que permanecerá na Filosofia, isto é, a análise dos preconceitos e do senso comum.
Bacon elaborou uma teoria conhecida como a crítica dos ídolos (a palavra ídolo vem do grego eidolon e significa imagem). Descartes, como já mencionamos, elaborou um método de análise conhecido como dúvida metódica.
De acordo com Bacon, existem quatro tipos de ídolos ou de imagens que formam opiniões cristalizadas e preconceitos, que impedem o conhecimento da verdade:
1. ídolos da caverna: as opiniões que se formam em nós por erros e defeitos de nossos órgãos dos sentidos. São os mais fáceis de corrigir por nosso intelecto;
2. ídolos do fórum: são as opiniões que se formam em nós como conseqüência da linguagem e de nossas relações com os outros. São difíceis de vencer, mas o intelecto tem poder sobre eles;
3. ídolos do teatro: são as opiniões formadas em nós em decorrência dos poderes das autoridades que nos impõem seus pontos de vista e os transformam em decretos e leis inquestionáveis. Só podem ser refeitos se houver uma mudança social e política;
4. ídolos da tribo: são as opiniões que se formam em nós em decorrência de nossa natureza humana; esses ídolos são próprios da espécie humana e só podem ser vencidos se houver uma reforma da própria natureza humana.
Bacon acreditava que o avanço dos conhecimentos e das técnicas, as mudanças sociais e políticas e o desenvolvimento das ciências e da Filosofia propiciariam uma grande reforma do conhecimento humano, que seria também uma grande reforma na vida humana. Tanto assim que, ao lado de suas obras filosóficas, escreveu uma obra filosófico-política, a Nova Atlântida, na qual descreve e narra uma sociedade ideal e perfeita, nascida do conhecimento verdadeiro e do desenvolvimento das técnicas.
Descartes localizava a origem do erro em duas atitudes que chamou de atitudes infantis:
1. a prevenção, que é a facilidade com que nosso espírito se deixa levar pelas opiniões e ideias alheias, sem se preocupar em verificar se são ou não verdadeiras. São as opiniões que se cristalizam em nós sob a forma de preconceitos (colocados em nós por pais, professores, livros, autoridades) e que escravizam nosso pensamento, impedindo-nos de pensar e de investigar;
2. a precipitação, que é a facilidade e a velocidade com que nossa vontade nos faz emitir juízos sobre as coisas antes de verificarmos se nossas ideias são ou não são verdadeiras. São opiniões que emitimos em conseqüência de nossa vontade ser mais forte e poderosa do que nosso intelecto. Originam-se no conhecimento sensível, na imaginação, na linguagem e na memória.
Como Bacon, Descartes também está convencido de que é possível vencer esses efeitos, graças a uma reforma do entendimento e das ciências. (Descartes não pensa na necessidade de mudanças sociais e políticas, diferindo de Bacon nesse aspecto.) Essa reforma pode ser feita pelo sujeito do conhecimento, se este decidir e deliberar pela necessidade de encontrar fundamentos seguros para o saber. Para isso Descartes criou um procedimento, a dúvida metódica, pela qual o sujeito do conhecimento, analisando cada um de seus conhecimentos, conhece e avalia as fontes e as causas de cada um, a forma e o conteúdo de cada um, a falsidade e a verdade de cada um e encontra meios para livrar-se de tudo quanto seja duvidoso perante o pensamento. Ao mesmo tempo, o pensamento oferece ao espírito um conjunto de regras que deverão ser obedecidas para que um conhecimento seja considerado verdadeiro.
Para Descartes, o conhecimento sensível (isto é, sensação, percepção, imaginação, memória e linguagem) é a causa do erro e deve ser afastado. O conhecimento verdadeiro é puramente intelectual, parte das ideias inatas e controla (por meio de regras) as investigações filosóficas, científicas e técnicas.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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