Subjetividade e graus de consciência
Embora a subjetividade se
manifeste plenamente como uma atividade que sabe de si mesma, isso não
significa que a consciência esteja sempre alerta e atenta. Quando, por exemplo,
recebemos uma anestesia geral, vamos perdendo gradualmente a consciência,
deixamos de ter consciência de ver, sentir, lembrar. Dependendo da intensidade
da dose aplicada, podemos perder todas as formas de consciência menos, por
exemplo, a auditiva. No entanto, mesmo a consciência auditiva, nessa situação,
é fluida, não parece estar referida a um eu. Quando despertamos à noite,
de um sono profundo e num local que não é nosso quarto, levamos um certo tempo
até sabermos quem somos e onde estamos.
Quando devaneamos ou divagamos,
ou sonhamos de olhos abertos, perdemos a consciência de tudo quanto está à
nossa volta e, muitas vezes, quando “voltamos a nós”, temos um braço ou uma
perna adormecidos, uma queimadura na mão, o rosto queimado de sol ou o corpo
molhado de chuva sem que tivéssemos consciência do que se passava conosco.
Situações como essas indicam que há graus de consciência.
De um modo geral, distinguem-se
os seguintes graus de consciência:
● consciência passiva:
aquela na qual temos uma vaga e uma confusa percepção de nós mesmos e do que se
passa à nossa volta, como no devaneio, no momento que precede o sono ou o
despertar, na anestesia e, sobretudo, quando somos muito crianças ou muito idosos;
● consciência vivida, mas
não reflexiva: é nossa consciência efetiva, que tem a peculiaridade de
ser egocêntrica, isto é, de perceber os outros e as coisas apenas a
partir de nossos sentimentos com relação a eles, como, por exemplo, a criança
que bate numa mesa ao tropeçar nela, julgando que a mesa “fez de propósito”
para machucá-la. Nesse grau de consciência, não conseguimos separar o eu e o
outro, o eu e as coisas. É típico, por exemplo, das pessoas apaixonadas, para
as quais o mundo só existe a partir dos seus sentimentos de amor, ódio, cólera,
alegria, tristeza, etc.;
● consciência ativa e reflexiva:
aquela que reconhece a diferença entre o interior e o exterior, entre si e os
outros, entre si e as coisas. Esse grau de consciência é o que permite a
existência da consciência em suas quatro modalidades, isto é, eu, pessoa,
cidadão e sujeito.
Esse último grau de consciência,
nas suas quatro modalidades, é definido pela fenomenologia como consciência
intencional ou intencionalidade, isto é, como “consciência de”. Toda
a consciência, diz a fenomenologia, é sempre consciência de alguma coisa, visa
sempre a alguma coisa, de tal maneira que perceber é sempre perceber alguma
coisa, imaginar é sempre imaginar alguma coisa, lembrar é sempre lembrar alguma
coisa, dizer é sempre dizer alguma coisa, pensar é sempre pensar alguma coisa.
A consciência realiza atos (perceber, lembrar, imaginar, falar,
refletir, pensar) e visa a conteúdos ou significações (o percebido, o
lembrado, o imaginado, o falado, o refletido, o pensado). O sujeito do
conhecimento é aquele que reflete sobre as relações entre atos e significações
e conhece a estrutura formada por eles (a percepção, a imaginação, a memória, a
linguagem, o pensamento).
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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