Heráclito, Parmênides e Demócrito: a preocupação com o conhecimento
Debate filosófico entre Demócrito, Heráclito e Tímon na visão de Rubens (século. XVII).
Alguns exemplos indicam a
existência da preocupação dos primeiros filósofos com o conhecimento e, aqui,
tomaremos três: Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia e Demócrito de Abdera.
Heráclito de Éfeso considerava a
Natureza (o mundo, a realidade) como um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo
dos seres em mudança perpétua. Dizia: “Não podemos banhar-nos duas vezes no
mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos”. Comparava
o mundo à chama de uma vela que queima sem cessar, transformando a cera em
fogo, o fogo em fumaça e a fumaça em ar. O dia se torna noite, o verão se torna
outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido seca, tudo se transforma no
seu contrário.
A realidade, para Heráclito, é a
harmonia dos contrários, que não cessam de se transformar uns nos outros. Se
tudo não cessa de se transformar perenemente, como explicar que nossa percepção
nos ofereça as coisas como se fossem estáveis, duradouras e permanentes? Com
essa pergunta o filósofo indicava a diferença entre o conhecimento que nossos
sentidos nos oferecem e o conhecimento que nosso pensamento alcança, pois
nossos sentidos nos oferecem a imagem da estabilidade e nosso pensamento
alcança a verdade como mudança contínua.
Parmênides de Eléia colocava-se
na posição oposta à de Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que
permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que o pensamento não pode pensar
sobre as coisas que são e não são, que ora são de um modo e ora são de outro,
que são contrárias a si mesmas e contraditórias.
Conhecer é alcançar o idêntico,
imutável. Nossos sentidos nos oferecem a imagem de um mundo em incessante
mudança, num fluxo perpétuo, onde nada permanece idêntico a si mesmo: o dia
vira noite, o inverno vira primavera, o doce se torna amargo, o pequeno vira
grande, o grande diminui, o doce amarga, o quente esfria, o frio se aquece, o
líquido vira vapor ou vira sólido.
Como pensar o que é e o que não
é ao mesmo tempo? Como pensar o instável? Como pensar o que se torna oposto e
contrário a si mesmo? Não é possível, dizia Parmênides. Pensar é dizer o que um
ser é em sua identidade profunda e permanente. Com isso, afirmava o mesmo que
Heráclito – perceber e pensar são diferentes -, mas o dizia no sentido oposto
ao de Heráclito, isto é, percebemos mudanças impensáveis e devemos pensar
identidades imutáveis.
Demócrito de Abdera desenvolveu
uma teoria sobre o Ser ou sobre a Natureza conhecida com o nome de atomismo:
a realidade é constituída por átomos. A palavra átomo tem origem grega e
significa: o que não pode ser cortado ou dividido, isto é, a menor partícula
indivisível de todas as coisas. Os seres surgem por composição dos átomos,
transformam-se por novos arranjos dos átomos e morrem por separação dos átomos.
Os átomos, para Demócrito,
possuem formas e consistências diferentes (redondos, triangulares, lisos,
duros, moles, rugosos, pontiagudos, etc.) e essas diferenças e os diferentes
modos de combinação entre eles produzem a variedade de seres, suas mudanças e
desaparições. Através de nossos órgãos dos sentidos, percebemos o quente e o
frio, o doce e o amargo, o seco e o úmido, o grande e o pequeno, o duro e o
mole, sabores, odores, texturas, o agradável e o desagradável, sentimos prazer
e dor, porque percebemos os efeitos das combinações dos átomos que, em si
mesmos, não possuem tais qualidades.
Somente o pensamento pode
conhecer os átomos, que são invisíveis para nossa percepção sensorial. Dessa
maneira, Demócrito concordava com Heráclito e Parmênides em que há uma
diferença entre o que conhecemos através de nossa percepção e o que conhecemos
apenas pelo pensamento; porém, diversamente dos outros dois filósofos, não
considerava a percepção ilusória, mas apenas um efeito da realidade sobre nós.
O conhecimento sensorial ou sensível é tão verdadeiro quanto aquilo que o
pensamento puro alcança, embora de uma verdade diferente e menos profunda ou
menos relevante do que aquela alcançada pelo puro pensamento.
Esses três exemplos nos mostram
que, desde os seus começos, a Filosofia preocupou-se com o problema do
conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão do verdadeiro. Desde o
início, os filósofos se deram conta de que nosso pensamento parece seguir
certas leis ou regras para conhecer as coisas e que há uma diferença entre
perceber e pensar. Pensamos a partir do que percebemos ou pensamos negando o
que percebemos? O pensamento continua, nega ou corrige a percepção? O modo como
os seres nos aparecem é o modo como os seres realmente são?
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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