"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Locke: a preocupação com o conhecimento


Locke é o iniciador da teoria do conhecimento propriamente dita porque se propõe a analisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de nossas ideias e nossos discursos, a finalidade das teorias e as capacidades do sujeito cognoscente relacionadas com os objetos que ele pode conhecer. Seguindo a trilha que fora aberta por Aristóteles, Locke também distingue graus de conhecimento, começando pelas sensações até chegar ao pensamento.
Comparemos o que escreveu Aristóteles, no início da Metafísica, e o que afirmou Locke, no início do Ensaio sobre o entendimento humano.
Aristóteles escreveu:

Todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer. O prazer causado pelas sensações é a prova disso, pois, mesmo fora de qualquer utilidade, as sensações nos agradam por si mesmas e, mais do que todas as outras, as sensações visuais.

Locke afirmou:

Visto que o entendimento situa o homem acima dos outros seres sensíveis e dá-lhe toda vantagem e todo domínio que tem sobre eles, seu estudo consiste certamente num tópico que, por sua nobreza, é merecedor de nosso trabalho de investigá-lo. O entendimento, como o olho, que nos faz ver e perceber todas as outras coisas, não se observa a si mesmo; requer arte e esforço situá-lo à distância e fazê-lo seu próprio objeto.

Assim como Aristóteles diferia de Platão, Locke difere de Descartes.
Platão e Descartes afastam a experiência sensível ou o conhecimento sensível do conhecimento verdadeiro, que é puramente intelectual. Aristóteles e Locke consideram que o conhecimento se realiza por graus contínuos, partindo da sensação até chegar às ideias.
Essa diferença de perspectiva estabelece as duas grandes orientações da teoria do conhecimento, conhecidas como racionalismo e empirismo.
Para o racionalismo, a fonte do conhecimento verdadeiro é a razão operando por si mesma, sem o auxílio da experiência sensível e controlando a própria experiência sensível.
Para o empirismo, a fonte de todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível, responsável pelas ideias da razão e controlando o trabalho da própria razão.
Essas diferenças, porém, não impedem que haja um elemento comum a todos os filósofos a partir da modernidade, qual seja, tomar o entendimento humano como objeto da investigação filosófica.
Tornar o entendimento objeto para si próprio, tornar o sujeito do conhecimento objeto de conhecimento para si mesmo é a grande tarefa que a modernidade filosófica inaugura, ao desenvolver a teoria do conhecimento. Como se trata da volta do conhecimento sobre si mesmo para conhecer-se, ou do sujeito do conhecimento colocando-se como objeto para si mesmo, a teoria do conhecimento é a reflexão filosófica.


Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

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