Darwin (Parte 03/11)
— Sim, e não sem
razão. Tanto os membros da Igreja quanto muitos cientistas eram partidários da
teoria bíblica segundo a qual as diferentes espécies de plantas e animais eram
imutáveis. Para eles, cada espécie animal tinha sido criada um dia,
separadamente das outras e para todo o sempre, por um ato de criação especial.
Além disso, esta visão cristã estava de acordo com as concepções de Platão e de
Aristóteles.
— Como?
— A teoria das
idéias de Platão tinha como ponto de partida a noção de que todas as espécies
animais eram imutáveis, já que cada uma tinha sido criada a partir de um modelo
correspondente a uma idéia ou forma eterna. O fato de as espécies animais serem
imutáveis também é uma pedra fundamental na filosofia de Aristóteles. Na época
de Darwin, porém, algumas observações e descobertas colocaram em dúvida esta
concepção tradicional.
— Que observações e
que descobertas?
— Em primeiro
lugar, a descoberta de novos fósseis e, em segundo, a descoberta de restos de
esqueletos de animais extintos. O próprio Darwin ficou surpreso com o fato de
se encontrarem nas montanhas fósseis de animais marinhos. Na América do Sul,
ele mesmo havia feito descobertas como essas no alto dos Andes. Mas o que
animais marinhos estariam fazendo no alto dos Andes, Sofia? Será que você pode
me responder?
— Não.
— Alguns achavam
que eram os homens ou outros animais que os haviam deixado lá em cima. Outros
diziam que Deus teria criado esses fósseis e restos de animais marinhos para
confundir os incrédulos.
— E qual era a
opinião da ciência?
— A maioria dos
geólogos era adepta de uma “teoria das catástrofes”, segundo a qual a Terra
teria sido castigada muitas vezes por inundações, terremotos e outras
catástrofes, capazes de destruir todas as formas de vida. A Bíblia também faz
referência a uma dessas catástrofes: o grande dilúvio que levou Noé a construir
sua arca. Depois de cada cataclismo, pelo menos era o que se dizia, Deus
renovava a vida na Terra criando plantas e animais novos, mais evoluídos.
— Quer dizer que os
fósseis seriam “marcas impressas” de todas as formas anteriores de vida, que
haviam sido extintas por essas catástrofes horríveis?
— Exatamente.
Dizia-se, por exemplo, que os fósseis seriam marcas de animais que não haviam
encontrado mais lugar na arca de Noé. Mas quando Darwin zarpou a bordo do Beagle, levou consigo o primeiro volume
de Principles of geology, do geólogo
inglês Charles Lyell. Lyell considerava a atual geografia da Terra, com seus
picos elevados e vales profundos, o resultado de uma evolução interminavelmente
longa e lenta. Ele dizia que qualquer alteração, por menor que fosse, era capaz
de causar profundas transformações geográficas, se tais processos fossem considerados
à luz de grandes intervalos de tempo.
— Em que tipo de
alteração ele estava pensando?
— Ele estava
pensando nas mesmas forças que continuam atuando até hoje: o clima, o vento, o
degelo, os terremotos e as elevações do solo. Todo mundo sabe que “água mole em
pedra dura tanto bate até que fura”. E isto não acontece por causa da força da
água, mas pela constância, pela insistência das gotas. Lyell acreditava que
tais alterações, pequenas e graduais, eram capazes de alterar completamente a
natureza em longo prazo. E Darwin pressentiu que esta idéia não explicaria
apenas o porquê de ele ter encontrado fósseis de animais marinhos no alto dos
Andes. Durante toda a sua vida como pesquisador, ele nunca se esqueceu de que alterações pequenas e graduais podiam levar
a transformações dramáticas, se se considerasse o fator tempo.
— E então ele achou
que uma explicação parecida poderia ser aplicada também à questão da evolução
dos animais, não é?
— Sim, foi
exatamente isso que ele pensou. Mas, como dissemos, Darwin era um homem
cauteloso. Entre as perguntas que ele se fazia e as respostas que se aventurava
a dar havia sempre um bom intervalo de tempo. Deste modo, ele usou o método de
todos os verdadeiros filósofos, segundo o qual “perguntar é importante, mas não
é preciso se apressar com uma resposta”.
— Entendo.
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