Darwin (Parte 11/11)
— Para ser mais
exato: para a formação das moléculas complexas de que se compõem todas as
formas de vida, era preciso que duas condições fossem satisfeitas: não podia haver oxigênio na atmosfera e a
radiação cósmica tinha de poder chegar até a Terra.
— Certo.
— Dentro do
“pequeno lago aquecido”, ou “sopa primordial”, como muitos cientistas gostam de
dizer hoje em dia, formou-se em algum momento uma macromolécula extremamente
complexa, que tinha a estranha capacidade de reproduzir-se a si mesma. E foi
assim que começou a longa evolução, Sofia. Simplificando um pouco as coisas,
podemos dizer que estamos falando do primeiro material genético, da primeira
molécula de DNA, ou da primeira célula viva. Ela foi se subdividindo, se
subdividindo, mas desde o começo ocorrem mutações. Muito tempo depois, esses
organismos monocelulares se combinam para formar organismos pluricelulares. É
assim que também começa a fotossíntese das plantas e, na seqüência, temos a
formação de uma atmosfera que contém oxigênio. Esta, por sua vez, foi
duplamente importante. De um lado, o oxigênio da atmosfera foi responsável pelo
surgimento dos animais que precisam respirar o ar para viver. De outro, ela
passou a proteger a vida da radiação cósmica nociva. Pois esta mesma radiação,
que um dia foi uma “centelha” importante para o surgimento da primeira célula,
também é nociva para todas as formas de vida.
— Mas a atmosfera
não se formou da noite para o dia, não é? E como é que as primeiras formas de
vida fizeram quando ainda não existia o ar?
— A vida surgiu no
mar primordial, que é o que chamamos de “sopa primordial”. Ali dentro ela
estava a salvo da perigosa radiação cósmica. Só muito mais tarde, depois que a vida no mar tinha formado
uma atmosfera, é que os primeiros anfíbios se arrastaram para a terra. E o
resto nós já sabemos. Estamos aqui nesta cabana da floresta olhando
retrospectivamente para um processo que já dura três ou quatro bilhões de anos.
E é precisamente em nós que este processo se conscientizou de si mesmo.
— Você está dizendo
que tudo não passou de mero acaso?
— Não, eu não disse
isto. O esquema que você viu aí no cartaz também mostra que a evolução segue
determinada direção. Ao longo dos
milhões de anos foram surgindo animais com sistemas nervosos cada vez mais
complexos e com cérebros cada vez maiores. Acho que isto não foi um mero acaso.
O que você acha?
— O olho humano não
pode ter sido resultado de um mero acaso. Você não acha que tem um sentido o
fato de podermos enxergar o mundo à nossa volta?
— Esta história do
olho também era uma coisa que deixava Darwin muito intrigado. Ele simplesmente
não conseguia aceitar que um órgão tão refinado quanto o olho pudesse ser um
mero produto da seleção natural.
Sofia ficou olhando
para Alberto. Naquele momento passou pela sua cabeça o quanto era estranho ela
estar vivendo justamente aquele instante; o quanto era estranho viver uma única
vez e depois nunca mais voltar à vida. E então ela exclamou:
De que serve o
eterno criar,
Se a criação em nada acabar?
Se a criação em nada acabar?
Alberto olhou para
ela com seriedade e reprovação.
— Não fale assim,
filha. Essas palavras são do diabo!
— Do diabo?
— Ou de
Mefistófeles, no Fausto, de Goethe.
“De que serve o eterno criar, se a criação em nada acabar?”
— E qual o sentido
dessas palavras?
— Quando Fausto
está à morte, e revê toda a sua vida, ele diz triunfante àquele momento solene:
Fica mais, tu que
és tão belo!
Os vestígios dos meus dias na Terra
Não vão se acabar em éons.
Ao pressentir tamanha felicidade,
Experimento agora o momento supremo.
Os vestígios dos meus dias na Terra
Não vão se acabar em éons.
Ao pressentir tamanha felicidade,
Experimento agora o momento supremo.
— Que bonito…
— Mas então chega a
vez do diabo. Nem bem Fausto está morto, o diabo diz:
Acabou! Palavra
tola! Acabou por quê?
Acabou e depois nada, a indiferença plena!
De que serve o eterno criar,
Se a criação em nada acabar?
”Acabou!” O que ler desse verbo?
É como se não tivesse existido
E ainda assim gira em círculos, tivesse ele sido.
Pois o eterno vácuo eu teria preferido!
Acabou e depois nada, a indiferença plena!
De que serve o eterno criar,
Se a criação em nada acabar?
”Acabou!” O que ler desse verbo?
É como se não tivesse existido
E ainda assim gira em círculos, tivesse ele sido.
Pois o eterno vácuo eu teria preferido!
— Que coisa mais
pessimista. Gostei mais da primeira citação. Embora sua vida estivesse
acabando, Fausto encontrou um sentido para ela nas marcas de seus passos que
ficavam para trás.
— Pois também não é
uma conseqüência da teoria de Darwin o fato de fazermos parte de algo maior, de
um todo para o qual tudo é importante, até a menor forma de vida? Somos um
planeta vivo, Sofia! Somos um grande barco navegando ao redor de um sol
incandescente no universo. Mas cada um de nós é um barco em si mesmo, um barco
carregado de genes navegando pela vida. Se conseguirmos levar esta carga ao
porto mais próximo, nossa vida não terá sido em vão. Bjørnsjerne Bjørnson
expressou o mesmo pensamento em seu poema Psalm
II:
Bendita
a primavera da vida, breve,
Cujo sopro tudo atravessa!
A forma desaparece
Enquanto o ser para a vida desperta.
Gerações se sucedem
No esforço de evoluir;
Espécie produz espécie,
Em tempos que não têm fim;
Mundos inteiros se erguem e declinam!
Mergulha nos encantos da vida, ó flor,
Na ourela da primavera;
Louvando a bondade do Eterno,
Aproveita tua curta existência.
Acrescenta a ela, criativa,
Também o teu óbolo;
Breve e hesitante,
Sopra, o quanto agüentares,
A tua parcela de vida ao dia eterno!
Cujo sopro tudo atravessa!
A forma desaparece
Enquanto o ser para a vida desperta.
Gerações se sucedem
No esforço de evoluir;
Espécie produz espécie,
Em tempos que não têm fim;
Mundos inteiros se erguem e declinam!
Mergulha nos encantos da vida, ó flor,
Na ourela da primavera;
Louvando a bondade do Eterno,
Aproveita tua curta existência.
Acrescenta a ela, criativa,
Também o teu óbolo;
Breve e hesitante,
Sopra, o quanto agüentares,
A tua parcela de vida ao dia eterno!
— Lindo!
— E agora chega.
Vou dizer simplesmente “fim do capítulo”!
— Pare com esta
ironia!
— Fim do capítulo!,
eu disse. Faça o que eu digo!
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