A Razão
A
razão é, dos atributos humanos, o mais importante. Talvez seja ela a
característica que o coloque numa posição distinta da dos demais mamíferos e de
outros seres vivos. Porém, quando perguntamos diretamente o que queremos dizer
com a palavra “Razão”, é com certo embaraço que nos vemos diante de uma
resposta pronta, quase sem significado, como esta que acabamos de oferecer
acima. Esta resposta é utilizada, no mais das vezes, para reafirmar a posição
de domínio dos seres humanos em relação às outras espécies viventes. Contudo o
domínio humano sobre o restante do planeta não se identifica automaticamente
com a Razão em sentido estrito. Talvez, então, seja melhor evitar, por
enquanto, responder à pergunta “O que é Razão?” com este tipo de resposta já um
tanto desgastada.
Muitas
vezes usamos “Razão” num sentido menos ambicioso, como sinônimo de causa ou
motivo, como quando perguntamos: Qual foi a razão para o assassinato? Mas,
também, utilizamos esta palavra para designar um estado de sanidade mental
quando, por exemplo, dizemos “fulano ou sicrano está de posse de sua Razão”. Ou
quando queremos concordar com alguém a respeito de alguma coisa, então dizemos:
“Você está com a razão”, como que querendo dizer que esta pessoa está dizendo a
verdade, que ela está certa ou mesmo que se mostra sensata acerca de um
determinado assunto. Há aqueles que opõem a Razão às emoções, dividindo o
Sujeito em duas metades: uma que detém a capacidade de julgar segundo regras
estabelecidas previamente e outra que obedece a impulsos momentâneos de origem
fisiológica ou emocional.
A
Razão, em um sentido mais coloquial, portanto, pode ser ora algo que conduz a
decisões e atitudes racionais, ora um controle sobre as emoções, ora a
sapiência ou a sensatez. Nestes significados mais fracos, Razão é algo
imaterial, habitando o espírito de cada um de maneira positiva. Em todos eles
percebemos que a pessoa que se vê sem a Razão está numa posição inferior,
desprivilegiada, em contraste com aquela que está de posse da Razão, vendo-se
numa posição superior à primeira. Seja verdadeira ou não, a idéia que temos de
Razão é esta, de algo que nos coloca em situação vantajosa ou positiva.
Talvez
o significado mais difundido dentro da filosofia seja o da Razão como
capacidade de coordenar os pensamentos, condicionando-os a regras precisas, com
o fim de buscar a realidade do mundo por meio de expressões diversas sobre ele.
Razão, neste sentido mais filosófico, aproxima-se de Entendimento. Este, por
sua vez, marca o estado único do Sujeito enquanto articulador do pensamento em
oposição à sensibilidade pura. Isto é, o Entendimento está no âmbito do
exclusivamente intelectual, não podendo ser confundido com as habilidades
físico-motoras da percepção e da ação. Seu objeto de trabalho são unicamente as
Idéias.
Assim,
por exemplo, o indivíduo de posse do Entendimento é capaz de divisar sua
própria identidade por meio da percepção do outro. O que ele Sabe ser ele mesmo
parte do princípio do que sua percepção lhe como aponta um objeto (o Outro) que
ele reconhece como uma idéia negativa de si mesmo. Tudo o que o Entendimento
faz é acondicionar e articular idéias para criar juízos sobre o mundo. Juízos
complexos de identidade pessoal tais como: “Eu sou eu, porque não me reconheço
naquilo que chamo de outro.” Ou juízos simples, do tipo “Esta meia é azul.” São
construídos no processo do conhecimento, ao mesmo tempo em que são o próprio
conhecimento manifesto. Na medida em que os juízos são articulados entre si
aumenta o grau de complexidade, ao ponto de se poder criar teorias inteiras
acerca do “Eu”, do “Outro”, ou de “Meias azuis”.
Estas
teorias se reúnem em campos especializados do conhecimento humano, como são os
campos da filosofia: a Estética, a Ética, a Epistemologia, a História da
Filosofia, a Metafísica, a Lógica e outras tantas. Visto isto, talvez já nos
sintamos mais à vontade para falar da Razão como uma faculdade exclusivamente
humana. Mas não como algo que coloque o homem numa posição supostamente
superior ao restante dos animais, mas sim como algo que possibilita uma
produção intelectual única. É a Razão, na forma do Entendimento, que
possibilita ao ser humano construir, planejar, desenvolver, verificar, prever,
resolver e comunicar.
Todas
estas possibilidades devem-se, cada uma a seu modo, à capacidade de abstrair.
Ou seja, a capacidade de abstrair permite que as operações sejam todas
realizadas no âmbito do entendimento puro. Assim, é possível criar modelos que
são passíveis de fácil manipulação. O ato de abstrair é o ato de
desmaterializar, é o ato de descorporificar o objeto ou o processo, transformando-os
em idéias, em noções, em conceitos. Por estas vias chegamos ao ponto em que não
podemos mais distinguir o processo do conhecimento efetuado pelo entendimento,
por intermédio da abstração, com o próprio entendimento puro abstrato.
Este
movimento é o Entendimento voltando-se sobre si mesmo, atingindo o grau máximo
da desmaterialização do conhecimento. Quando o conhecimento já não necessita de
outro objeto de estudo senão a si próprio. Quando a Razão se basta a si mesma.
Fonte:
Palavra em Ação.
CD-ROM,
Claranto Editora.
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