Descartes e suas certezas
Após
ter concluído que os sentidos - como a visão, a audição, o olfato, o paladar e
o tato - poderiam nos enganar sobre um conhecimento de fato, Descartes parte
para uma dúvida metódica a respeito de tudo.
Por
exemplo, muitas vezes sonhamos que estamos diante de seres fantásticos quando
sabemos que estes seres habitam apenas a nossa fantasia; ou então bebemos e o
mundo parece girar, quando, na verdade, trata-se de um efeito ilusório do
álcool fazendo o cenário à nossa volta adquirir um movimento circular; ou
deveras quando estamos resfriados e não podemos sentir precisamente os sabores
dos alimentos ou os diversos odores das coisas; ou ainda quando se está com
algum membro do corpo dormente e nele já não há sensibilidade; também pode
ocorrer de ouvirmos uma voz que chama pelo nosso nome quando ninguém de fato o
fez. São estes alguns exemplos simples sobre como podemos nos enganar com os
sentidos.
Ele
irá colocar à prova de seu raciocínio tudo o que aprendeu - e aquilo que se
apresentar minimamente duvidoso sob o olhar rigoroso da Razão será descartado
como mera opinião ou como ilusões dos sentidos. Somente o que resistir à sua
cuidadosa investigação ganhará o status de conhecimento. O nosso filósofo
acredita que, para realmente pôr tudo à prova, ele deve iniciar pelos
fundamentos de qualquer conhecimento possível. Este fundamento ele considera
ser o Sujeito. Para Descartes, uma de nossas primeiras certezas é acerca de
nossa própria existência. Ainda que possamos duvidar de tudo à nossa volta, não
podemos duvidar de que existimos. Porém seu rigor investigativo é tão grande
que até a sua própria existência, enquanto sujeito que anda, come, respira, lê
etc., será posta em dúvida.
Não
vamos entrar nos detalhes da argumentação cartesiana que merece, por si só, um curso
inteiramente dedicado a ela. Ficaremos apenas com os resultados dessa
argumentação. Depois de muito meditar a respeito de sua própria existência,
Descartes conclui que, enquanto “Sujeito que conhece”, ele deve,
necessariamente, existir. Sua conclusão é apresentada na forma da expressão
latina “Cogito, ergo sum” que, em português, significa “Penso, logo existo”.
Basicamente ele apóia a prova, necessária e universal, de sua existência no
fato de ser ele um sujeito que pensa. Porém, mais do que isso, sua existência
está apoiada no fato de poder pensar sobre isto, ou seja, no fato de ele poder
pensar sobre o próprio ato de pensar.
Existe
uma diferença simples entre dois níveis de pensamento e que podemos entender
facilmente: existe um primeiro nível em que pensamos normalmente sobre algo.
Este algo pode ser um objeto, uma idéia, uma pessoa, um acontecimento. Neste
primeiro nível estamos tentando nos tornar conscientes sobre o mundo ao nosso
redor. Mas existe, também, um segundo nível de pensamento, que ocorre quando
pensamos sobre o pensamento que pensa. Este pensamento tem por finalidade nos
tornar conscientes sobre nós mesmos. Ele tem por objeto a si mesmo e, neste
sentido, é reflexivo. Isto é, ele quer enxergar a si mesmo, assim como nós
tentamos nos enxergar quando nos colocamos na frente de um espelho. Contudo os
pensamentos não possuem espelhos para poderem constatar as suas existências;
tudo o que os pensamentos têm são outros pensamentos. Deste modo, eles se
obrigam a encontrar um acordo mútuo que decorre da afirmação de suas próprias
existências particulares. Este acordo mútuo sobre a existência de cada
pensamento tomado individualmente como que fornece uma “prova” (ou o próprio
acordo já é uma prova) sobre a existência do conjunto de todos os pensamentos,
o Sujeito.
Está
é a primeira certeza de Descartes. Ele pensa sobre a sua própria condição de um
Ser Pensante. Assim ele obtém uma prova, que não é física, mas, exclusivamente,
intelectual, de que existe, não como uma pessoa que anda, fala, come e lê, mas
somente como um Ser que pensa. Como puro Sujeito do conhecimento. A partir
desta primeira certeza, que é o alicerce do edifício de seu Racionalismo, ele
irá obter uma série de outras certezas a respeito de sua existência física e da
origem de toda existência, do Motor primeiro.
Quando
Descartes postula a sua existência em termos de um Ser Pensante, ele,
automaticamente, cria uma distinção radical entre dois tipos de substâncias. A
primeira é aquela que fornece as condições para a existência do pensamento
puro. Esta substância ele chama de espírito (ou alma) e se identifica com o
próprio Sujeito do conhecimento, absolutamente desmaterializado. A segunda é
aquela que fornece as condições de existência do Ser físico e corpóreo: estamos
falando da própria matéria. Desta feita, Descartes separa o Sujeito em duas
metades, duas substâncias que não se identificam, que não se confundem jamais,
a de um Espírito (Mente) e de um corpo. Em latim esta separação se dá em res
cogitans et res extensa.
Fonte:
Palavra em Ação.
CD-ROM,
Claranto Editora.
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