Freud (Parte 08/09)
- E nós sonhamos todas as noites?
- Pesquisas recentes demonstraram que vinte por cento do
tempo que passamos dormindo é preenchido por sonhos. Isto significa que
sonhamos de duas a três horas por noite. Quando somos perturbados durante essas
fases, reagimos com nervosismo e irritação. Isto significa nada mais e nada
menos que todas as pessoas têm uma necessidade inata de dar à sua situação
existencial uma expressão artística. O sonho trata de nós mesmos. Somos nós
quem dirigimos este “filme”, juntamos tudo o que compõe os seus cenários e
requisitos e desempenhamos todos os papéis. As pessoas que dizem que não
entendem nada de arte são pessoas que se conhecem mal.
- Entendo.
- Além disso, Freud deu uma prova impressionante de como
é fantástica a mente humana. Seu trabalho com pacientes convenceu-o de que
guardamos no fundo de nossa mente tudo o que vimos e vivemos. E todas essas
impressões podem ser trazidas à tona novamente. Todas as vezes que nos dá “um
branco” e, pouco depois, ficamos com o que queremos lembrar “na ponta da
língua”, e quando, um pouco mais tarde ainda, a coisa “subitamente nos ocorre”,
estamos falando de algo que estava no inconsciente e, de repente, encontrou uma
porta entreaberta e conseguiu escapar para o consciente.
- Mas às vezes isto demora muito.
- Sim, todos os artistas sabem disso. Só que de repente
todas as portas e gavetas do arquivo parecem se abrir. Tudo flui
espontaneamente e então podemos escolher exatamente as palavras e as imagens de
que precisamos. Isto acontece quando deixamos a porta do inconsciente
entreaberta. Podemos chamar isto de inspiração, Sofia. E então temos a
sensação de que aquilo que desenhamos ou escrevemos não veio de nós.
- Deve ser um sentimento maravilhoso.
- Mas com certeza você mesma já o experimentou. Podemos
observar facilmente este estado inspirado em crianças que estão supercansadas.
Neste estado, as crianças parecem mais acordadas do que nunca e começam a falar
sem parar, tirando da memória palavras que elas ainda nem aprenderam. Só que é
claro que elas já aprenderam. Acontece que essas palavras estavam “latentes” no
seu consciente e só agora, quando o cansaço relaxa o policiamento e abole a
censura, elas podem vir à tona. Para o artista, a situação é diferente. Mas
também para ele pode ser importante que a razão e a reflexão não exerçam um
controle tão rigoroso sobre aquilo que melhor pode se desenvolver espontânea,
livre e inconscientemente. Posso contar uma fábula que ilustra muito bem o que
estou dizendo?
- Claro!
- É uma fábula muito séria e muito triste.
- Pode começar.
- Era uma vez uma centopeia que sabia dançar
excepcionalmente bem com suas cem perninhas. Quando ela dançava, os outros
animais da floresta reuniam-se para vê-la e ficavam muito impressionados com
sua arte. Só um bicho não gostava de assistir à dança da centopeia: uma
tartaruga.
- Na certa porque tinha inveja.
- “Como será que eu posso conseguir fazer a centopeia parar de dançar?”, pensava ela. Ela não podia simplesmente dizer que a dança da centopeia não lhe agradava. E também não podia dizer que sabia dançar melhor
que a centopeia, pois ninguém iria acreditar. Então ela começou a bolar um
plano diabólico.
- Que plano era esse?
- A tartaruga pôs-se, então, a escrever uma carta
endereçada à centopeia: “Oh, incomparável centopeia Sou uma devota admiradora
de sua dança singular e gostaria muito de saber como você faz para dançar. Você
levanta primeiro a perna esquerda número 28 e depois a perna direita número 59,
ou começa a dançar erguendo a perna direita número 26 e depois a perna esquerda
número 49? Espero ansiosa por sua resposta. Cordiais saudações, a tartaruga”.
- Que coisa de doido!
- Quando a centopeia recebeu esta carta, refletiu pela
primeira vez na sua vida sobre o que fazia de fato quando dançava. Que perna
ela movia primeiro? E qual perna vinha depois? E você sabe, Sofia, o que
aconteceu?
- Acho que a centopeia nunca mais dançou.
- Foi isso mesmo. E é exatamente isto que pode acontecer
quando o pensamento sufoca a imaginação.
- É triste mesmo esta história.
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