Freud (Parte 01/09)
(…)
Alberto e Sofia ficaram parados à porta da cabana. Por
fim, Alberto disse:
- É melhor entrarmos. Hoje vou contar a você sobre Freud
e sua teoria do inconsciente.
Sentaram-se à janela. Sofia olhou para o relógio e disse:
- Já são duas e meia e eu ainda preciso providenciar
algumas coisas para a festa.
- Eu também. Vamos falar rapidamente sobre Sigmund Freud.
- Ele foi um filósofo?
- Podemos chamá-lo de um filósofo da cultura. Freud
nasceu em 1856 e estudou medicina na Universidade de Viena. Passou a maior
parte de sua vida naquela cidade, justamente durante um período em que a vida
cultural vienense experimentou uma fase de apogeu. Desde cedo, Freud se
especializou num ramo da medicina que chamamos de neurologia. De fins do século
XIX até quase meados do século XX, ele trabalhou na elaboração de sua psicologia
profunda ou psicanálise.
- Explique melhor.
- Por psicanálise entende-se tanto a descrição da mente,
da psique humana em geral, quanto um método de tratamento para
distúrbios nervosos e psíquicos. Não pretendo fazer uma explanação detalhada
sobre Freud e sua obra, mas é preciso conhecer um pouco de sua teoria do
inconsciente, se quisermos entender o que é o ser humano.
- Você já conseguiu despertar meu interesse. Vamos lá!
- Freud achava que sempre havia uma tensão entre o homem
e o seu meio. Para ser mais exato, uma tensão, ou um conflito, entre o próprio
homem e aquilo que seu meio exigia dele. Não seria exagerado dizer que Freud
descobriu o universo dos impulsos que regem a vida do homem. E isto faz dele um
legítimo representante das correntes naturalistas[1],
tão importantes em fins do século XIX.
- O que se entende por “impulso” do homem?
- Nem sempre é a razão que governa nossas ações.
Conseqüentemente, o homem não é apenas o ser racional tão defendido pelos
racionalistas do século XVIII. Com freqüência, impulsos irracionais determinam nossos
pensamentos, nossos sonhos e nossas ações. Tais impulsos irracionais são
capazes de trazer à luz instintos e necessidades que estão profundamente
enraizados dentro de nós. Tão básico quanto a necessidade que um bebê tem de
mamar seria, por exemplo, o impulso sexual do homem.
- Entendo.
- Talvez tudo isto não tivesse nada de novo em si. Mas
Freud mostrou que essas necessidades básicas podiam vir à tona disfarçadas e
tão modificadas que não seríamos capazes de reconhecer sua origem. Assim
disfarçadas, elas governariam nossas ações, sem que tivéssemos consciência
disso. Além disso, Freud mostrou que as crianças também têm uma espécie de
sexualidade. A afirmação da existência de uma sexualidade infantil causou
repulsa entre os refinados cidadãos de Viena e fez de Freud um homem
extremamente impopular.
- Não me surpreende.
- Estamos falando de uma época na qual tudo o que tinha a
ver com a sexualidade era tabu. Freud chegara à conclusão da existência de uma
sexualidade infantil por meio de sua prática como psicoterapeuta. Ele tinha,
portanto, uma sólida base empírica para fundamentar suas afirmações. Freud
também constatou que muitas formas de distúrbios psíquicos eram devidas a
conflitos ocorridos na infância. Aos poucos, então, Freud foi desenvolvendo um
método de tratamento que podemos chamar de “arqueologia da alma”.
- O que você quer dizer com isso?
[1]
Naturalismo. Corrente ou estilo literário e artístico que busca reproduzir os fatos
observáveis sem pré-julgamentos morais ou estéticos. Surgido na França nas
últimas décadas do século XIX.
Extratos da obra de GAARDER, Jostein.
O Mundo de Sofia. Romance da História da Filosofia.
São Paulo: Cia das Letras, 1996.
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