Freud (Parte 04/09)
- Uma coisa é certa: o elemento perturbador vai querer
entrar novamente na sala de conferências, Sofia. Em todo caso, é isto o que
querem nossos pensamentos e impulsos reprimidos. Vivemos sob a constante
pressão de pensamentos reprimidos, que tentam se libertar do inconsciente. Por
isso é que muitas vezes dizemos e fazemos coisas que na verdade “não tínhamos a
intenção de fazer”. Dessa forma, o inconsciente também pode guiar nossos
sentimentos e ações.
- Você poderia me dar um exemplo?
- Freud descreve vários desses mecanismos. Um deles é o
chamado ato falho, ou seja, algo que dizemos ou fazemos espontaneamente
e que um dia tínhamos reprimido. Ele fala, por exemplo, de um empregado que foi
escolhido para fazer um brinde ao seu chefe, de quem ninguém gostava.
- Sim?
- O empregado se levantou, ergueu o copo e disse:
“Convido todos a arrotarem em homenagem a nosso chefe!”.
- Legal!
- Não foi o que o chefe achou. Ao dizer isto, o empregado
simplesmente tinha expressado o que realmente achava de seu chefe. Talvez nunca
tivesse ousado dizê-lo abertamente a ele. Você quer mais um exemplo?
- Sim.
- Certo dia, o bispo foi visitar a família de um pastor,
que era pai de umas meninas adoráveis e muito comportadas. Este bispo tinha um
nariz enorme, fora do comum. O pastor teve o cuidado, então, de pedir às suas
filhas que não mencionassem nada a respeito do nariz do bispo. É que as
crianças geralmente começam a rir quando percebem essas coisas, pois ainda não
têm o mecanismo de repressão muito bem desenvolvido.
- E o que aconteceu?
- O bispo veio até a paróquia e as meninas, absolutamente
deliciadas com a situação, faziam todo o esforço possível para não dizer nada a
respeito do nariz. E mais: elas não podiam sequer ficar olhando para o nariz.
Tinham de esquecê-lo completamente. Só que elas ficavam pensando no nariz do
bispo o tempo todo. E quando chegou a hora de a menorzinha oferecer ao
honorável bispo açúcar para o café, ela disse: “O senhor aceita um pouco de
açúcar no nariz?”.
- Putz!
- Às vezes nós também racionalizamos, quer dizer,
tentamos mostrar a nós mesmos, e aos outros, que temos outros motivos para
fazer o que fazemos em certas situações, e não revelamos os reais motivos que
nos levaram a agir de certa maneira, simplesmente porque eles são
constrangedores demais.
- Um exemplo, por favor.
- Posso hipnotizar você e induzi-la a abrir a janela.
Para tanto, ordeno a você que se levante e abra a janela quando eu tamborilar
com os dedos sobre a mesa, por exemplo. Quando eu faço isto, você se levanta e
abre a janela. Depois pergunto a você por que você abriu a janela. Talvez você
me responda que o fez porque estava muito quente aqui dentro. Mas este não é o
verdadeiro motivo. Você não quer admitir para si mesma que obedeceu à minha
ordem enquanto estava hipnotizada. E o que você faz? Você “racionaliza”, Sofia.
- Entendo.
- Coisas como esta acontecem quase todos os dias quando
nos relacionamos com os outros.
- Eu já disse a você que tenho um priminho de quatro
anos. Acho que ele não tem muitos amigos para brincar, pois ele sempre fica
muito contente quando eu vou visitá-lo. Certa vez eu disse que precisava voltar
logo para casa, pois minha mãe estava me esperando. E sabe o que ele me disse?
- Não.
- “Sua mãe é uma chata”, foi isto o que disse.
- Sim, este é um bom exemplo para o que entendemos por
racionalizar. O menino realmente não quis dizer que sua mãe é uma chata. Ele
quis dizer que achava chato que você tivesse de ir embora. Só que para ele não
era muito fácil verbalizar isto. Outra coisa que pode acontecer é que nós projetamos.
- Traduza, por favor.
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