Freud (Parte 09/09)
- Para um artista, portanto, pode ser muito importante
“se deixar levar”. Os surrealistas tentavam se aproveitar disso e buscavam um
estado em que tudo parecia brotar espontaneamente. Eles sentavam-se à frente de
uma folha de papel em branco e começavam a escrever, sem pensar no que estavam
escrevendo. Era isto o que chamavam de escrita automática. Na verdade, a
expressão vem do espiritismo, em que um “médium” acredita que o espírito de
alguém que já morreu está dirigindo sua mão ao escrever… Mas acho melhor
continuarmos falando amanhã sobre essas coisas.
- Tudo bem.
- O artista surrealista também é, de certa maneira, um
médium. Ele é um médium de seu próprio subconsciente. Contudo, é possível que
haja uma pontinha de inconsciente em todo processo criativo. Pois o que seria
isto que chamamos de “criatividade”?
- Ser criativo não significa criar algo de novo e de
único?
- Mais ou menos. E isto ocorre por meio de uma delicada
interação entre imaginação e razão. Na maioria das vezes, a razão sufoca a
imaginação; e isto é ruim, pois sem imaginação não é possível produzir nada de
novo. Eu vejo a imaginação como um sistema darwinista.
- Desculpe, mas esta eu não entendi.
- O darwinismo explica que a natureza produz um mutante
atrás do outro. Mas a natureza só precisa de alguns poucos desses mutantes. Só
alguns poucos têm a chance de viver.
- E então?
- O mesmo acontece quando pensamos, quando estamos
inspirados e temos muitas e novas idéias. Nesse caso, nossa cabeça produz um
“pensamento mutante” atrás do outro. Quer dizer, isto se nós não nos impusermos
uma censura muito severa. Acontece que só vamos usar realmente alguns desses
pensamentos. E é aqui que entra a razão, pois ela também tem uma função
importante. Quando temos sobre a mesa o resultado da pesca, não podemos
esquecer de escolher os peixes.
- Esta é uma ótima comparação.
- Imagine se tudo o que nos “ocorre”, se cada lampejo de
pensamento tivesse autorização para sair da nossa boca! Ou então para saltar do
bloco de apontamentos ou sair das gavetas da escrivaninha! O mundo se afogaria
bem depressa num mar de idéias e lembranças casuais. E não haveria uma
“seleção”, Sofia.
- E a razão escolhe as melhores entre todas as idéias e
lembranças?
- Sim, ou você não acha? A imaginação pode criar coisas
novas, mas não é ela que realmente escolhe. Não é a imaginação que “compõe”.
Uma composição, e toda obra de arte é uma composição, surge de uma admirável
interação entre imaginação e razão, ou entre sentimentos e pensamentos. O
processo artístico tem sempre um elemento de casualidade. Em certa fase pode
ser importante não represar essas idéias e lembranças casuais. As ovelhas
precisam ser soltas primeiro para só depois o pastor poder vigiá-las.
(…)
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