Freud (Parte 03/09)
- Você não acha que esse conflito diminuiu um pouco desde
a época de Freud?
- Certamente. Mas muitos dos pacientes de Freud viviam
este conflito de forma tão intensa que chegaram a desenvolver o que Freud
chamou de neuroses. Uma de suas pacientes, por exemplo, apaixonou-se por
seu cunhado. Quando sua irmã morreu ainda jovem, vítima de uma enfermidade, ela
pensou junto ao leito de morte da irmã: “Agora ele está livre e pode se casar
comigo!”. Este pensamento naturalmente entrou em conflito direto com o seu
superego. Era um pensamento tão hediondo que ela o reprimiu, como Freud
diz. Quer dizer, ela o enterrou no inconsciente. Depois, aquela jovem senhora
ficou doente e passou a apresentar sérios sintomas de histeria. E quando Freud
assumiu o tratamento dela, ficou claro que ela tinha se esquecido completamente
da cena junto ao leito de morte de sua irmã e do desejo terrível, egoísta, que
sentira vir à tona dentro de si. Durante o tratamento, a paciente voltou a se
lembrar da cena, reviveu aquele momento que era a causa de sua enfermidade e
ficou curada.
- Agora eu estou começando a entender o que você queria
dizer com “arqueologia da alma”.
- Então vamos arriscar uma descrição bem genérica da
psique humana. Após um longo período de experiência com pacientes, Freud chegou
à conclusão de que a consciência humana era apenas uma pequena parte da
psique. A consciência seria mais ou menos como a ponta de um iceberg que
se eleva para além da superfície da água. Sob a superfície, ou sob o limiar da
consciência, está o subconsciente, ou o inconsciente.
- Quer dizer que o inconsciente é tudo de que nós nos
esquecemos, mas que continua dentro de nós?
- Não podemos ter presente em nossa consciência, o tempo
todo, todas as experiências que vivemos. Mas tudo o que pensamos ou vivemos e
tudo de que nos lembramos quando pomos a cabeça para funcionar Freud chama de
“pré-consciente”. A expressão “inconsciente” significa, para Freud, tudo o que
reprimimos. Quer dizer, tudo de que nós queremos nos esquecer a qualquer preço
porque consideramos desagradável, indecoroso ou repulsivo. Quando temos desejos
e prazeres que para nossa consciência, ou para nosso superego, são
insuportáveis, nós simplesmente os enfiamos no porão do inconsciente e assim
nos livramos deles.
- Entendo.
- Este mecanismo funciona em todas as pessoas sadias.
Para algumas pessoas, porém, o ato de banir tais pensamentos desagradáveis ou
proibidos é algo tão estressante que elas ficam doentes. É que aquilo que foi
reprimido desta forma continua tentando emergir para o nível da consciência, de
sorte que cada vez mais energia é despendida para se manter tais impulsos longe
da crítica do consciente. Em 1909, quando Freud proferiu algumas palestras nos
Estados Unidos sobre a psicanálise, ele ilustrou com um exemplo muito simples o
funcionamento desse mecanismo de repressão.
- Que exemplo foi este?
- Ele pediu aos ouvintes que imaginassem que no auditório
havia um indivíduo que perturbava a ordem e desconcentrava o orador rindo às
gargalhadas, conversando com seus vizinhos e arrastando e batendo os pés no
chão. Chegaria, então, um momento em que o orador não poderia continuar a
falar. Nesse momento, alguns homens fortes provavelmente se levantariam e,
depois de uma breve discussão, colocariam o elemento perturbador porta afora,
no corredor. O indivíduo seria “reprimido”, portanto, e o orador poderia
continuar com sua palestra. Mas para evitar que o elemento perturbador tentasse
forçar sua entrada de novo no auditório, os mesmos homens que o tinham colocado
para fora levariam suas cadeiras até a porta e funcionariam como uma espécie de
resistência para garantir a repressão. Freud concluiu dizendo que se os
ouvintes imaginassem o auditório como o “consciente” e o corredor como o
“inconsciente”, teriam uma boa imagem de como funciona o processo de repressão.
- Também acho que a imagem é boa.
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