"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Freud (Parte 02/09)



- O psicanalista pode “cavoucar” a mente do paciente, com a ajuda dele, é claro, a fim de trazer à luz as experiências e vivências que, em algum momento da vida passada, provocaram seu distúrbio psíquico. Para Freud, portanto, guardamos bem no fundo de nós todas as lembranças do passado.
- Agora estou entendendo.
- E pode ser que neste processo o terapeuta encontre uma experiência ruim que o paciente sempre tentou esquecer, mas que está bem viva e presente dentro dele e lhe rouba as forças. No momento em que tal “experiência traumática” é trazida ao consciente e o paciente tem a chance de encará-la de frente, por assim dizer, ele pode “se entender” com ela e se curar.  

- Isto parece lógico.
- Mas estou avançando rápido demais. Vamos ver primeiro como Freud descreve a psique humana. Você já viu um recém-nascido?
- Tenho um primo de quatro anos.
- Quando vêm ao mundo, os bebês satisfazem suas necessidades físicas e psíquicas de forma bastante direta e desinibida. Se estão com fome, choram. E também choram quando estão com a fralda molhada ou quando querem deixar bem claro que querem um pouco de calor humano e contato físico. Freud chama de id este “princípio do prazer” que existe em nós. Quando somos recém-nascidos, quase todo o nosso ser é apenas um id.
- Prossiga.
- O id continua conosco na idade adulta e nos acompanha a vida toda. Só que aos poucos vamos aprendendo a controlar nossos desejos a fim de nos adaptarmos ao nosso meio. Em outras palavras, aprendemos a afinar nosso princípio de prazer com o princípio da realidade. Freud diz que construímos um ego e que este ego assume esta função reguladora. A partir de certa idade, embora tenhamos prazer em alguma coisa, não podemos simplesmente sentar e abrir o berreiro até que nossos desejos ou necessidades sejam satisfeitos.
- É claro que não.
- Mas pode acontecer de nós desejarmos intensamente alguma coisa que nosso meio não aceita. O que acontece é que muitas vezes reprimimos nossos desejos. Quer dizer, tentamos colocá-los de lado e esquecê-los.
- Entendo.
- Mas Freud aponta também uma terceira instância na psique humana: ainda crianças, somos confrontados com os padrões morais de nossos pais e de nosso meio. Quando fazemos alguma coisa de errado, nossos pais dizem “Não faça isto!”, ou então “Que vergonha!”. E mesmo depois de adultos podemos ouvir o eco de tais repreensões e julgamentos morais. As expectativas de nosso meio no plano da moral parecem ter se alojado dentro de nós e passado a constituir uma parte de nós mesmos. É isto que Freud chama de superego.
- Superego seria para ele sinônimo de consciência?
- Numa passagem, Freud chega a dizer textualmente que o superego se opõe ao ego como uma espécie de consciência. Na verdade, porém, trata-se do seguinte: o superego nos informa, por assim dizer, quando nossos desejos são “sujos” ou “impróprios”, e isto vale especialmente para os desejos eróticos ou sexuais. Como eu já disse, Freud constatou que tais desejos surgem bem cedo na infância.
- Me explique melhor, por favor.
- Hoje em dia sabemos e vemos que os bebês gostam de brincar com seus órgãos genitais. Podemos ver isto, por exemplo, quando vamos à praia ou à piscina. Na época de Freud, a criança de dois ou três anos que fizesse isto na frente dos outros ganhava um belo tapa na mão. Naquela época, era comum as crianças ouvirem frases tais como: “Que coisa mais feia!”, ou, “Não faça isso!”, ou ainda “Deixe as mãos para fora das cobertas!”.
- Revoltante…
- Dessa forma, as pessoas desenvolvem um sentimento de culpa. E como este sentimento de culpa é armazenado no superego, para muitas pessoas, e Freud acreditava que para a maioria delas, ele fica indissociavelmente atrelado a tudo o que diz respeito ao sexo. Ao mesmo tempo, Freud chamava a atenção para o fato de os desejos e necessidades sexuais serem uma parte natural e importante da natureza humana. E assim, minha cara Sofia, temos aqui todos os elementos de que necessitamos para um conflito entre prazer e culpa que pode nos acompanhar por toda a vida.

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