A consciência: o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito
A teoria do conhecimento no seu
todo realiza-se como reflexão do entendimento e baseia-se num pressuposto
fundamental: o de que somos seres racionais conscientes.
O que se entende por
consciência?
A capacidade humana para
conhecer, para saber que conhece e para saber o que sabe que conhece. A consciência
é um conhecimento (das coisas e de si) e um conhecimento desse conhecimento
(reflexão).
Do ponto de vista psicológico, a
consciência é o sentimento de nossa própria identidade: é o eu, um fluxo
temporal de estados corporais e mentais, que retém o passado na memória,
percebe o presente pela atenção e espera o futuro pela imaginação e pelo
pensamento. O eu é o centro ou a unidade de todos esses estados
psíquicos.
A consciência psicológica ou o eu
é formada por nossas vivências, isto é, pela maneira como sentimos e
compreendemos o que se passa em nosso corpo e no mundo que nos rodeia, assim
como o que se passa em nosso interior. É a maneira individual e própria com que
cada um de nós percebe, imagina, lembra, opina, deseja, age, ama e odeia, sente
prazer e dor, toma posição diante das coisas e dos outros, decide, sente-se
feliz ou infeliz.
Do ponto de vista ético e moral,
a consciência é a espontaneidade livre e racional, para escolher, deliberar e
agir conforme à liberdade, aos direitos alheios e ao dever. É a pessoa,
dotada de vontade livre e de responsabilidade. É a capacidade para compreender
e interpretar sua situação e sua condição (física, mental, social, cultural,
histórica), viver na companhia dos outros segundo as normas e os valores morais
definidos por sua sociedade, agir tendo em vista fins escolhidos por
deliberação e decisão, realizar as virtudes e, quando necessário, contrapor-se
e opor-se aos valores estabelecidos em nome de outros, considerados mais
adequados à liberdade e à responsabilidade.
Do ponto de vista político, a
consciência é o cidadão, isto é, tanto o indivíduo situado no tecido das
relações sociais, como portador de direitos e deveres, relacionando-se com a
esfera pública do poder e das leis, quanto o membro de uma classe social, definido
por sua situação e posição nessa classe, portador e defensor de interesses
específicos de seu grupo ou de sua classe, relacionando-se com a esfera pública
do poder e das leis.
A consciência moral (a pessoa) e
a consciência política (o cidadão) formam-se pelas relações entre as vivências
do eu e os valores e as instituições de sua sociedade ou de sua cultura.
São as maneiras pelas quais nos relacionamos com os outros por meio de
comportamentos e de práticas determinados pelos códigos morais (que definem
deveres, obrigações, virtudes) e políticos (que definem direitos, deveres e
instituições coletivas públicas), a partir do modo como uma cultura e uma
sociedade determinadas definem o bem e o mal, o justo e o injusto, o legítimo e
o ilegítimo, o legal e o ilegal, o privado e o público. O eu é uma
vivência e uma experiência que se realiza por comportamentos; a pessoa e
o cidadão são a consciência como agente (moral e político), como práxis.
Do ponto de vista da teoria do
conhecimento, a consciência é uma atividade sensível e intelectual dotada do
poder de análise, síntese e representação. É o sujeito. Reconhece-se
como diferente dos objetos, cria e descobre significações, institui sentidos,
elabora conceitos, ideias, juízos e teorias. É dotado de capacidade para
conhecer-se a si mesmo no ato do conhecimento, ou seja, é capaz de reflexão. É
saber de si e saber sobre o mundo, manifestando-se como sujeito percebedor,
imaginante, memorioso, falante e pensante. É o entendimento propriamente dito.
A consciência reflexiva ou o sujeito
do conhecimento forma-se como atividade de análise e síntese, de
representação e de significação voltadas para a explicação, descrição e
interpretação da realidade e das outras três esferas da vida consciente (vida
psíquica, moral e política), isto é, da posição do mundo natural e cultural e
de si mesma como objetos de conhecimento. Apóia-se em métodos de conhecer e
busca a verdade ou o verdadeiro. É o aspecto intelectual e teórico da
consciência.
Ao contrário do eu, o sujeito
do conhecimento não é uma vivência individual, mas aspira à universalidade,
ou seja, à capacidade de conhecimento que seja idêntica em todos os seres
humanos e com validade para todos os seres humanos, em todos os tempos e
lugares. Assim, por exemplo, João pode gostar de geometria e Paula pode
detestar essa matéria, mas o que ambos sentem não afetam os conceitos
geométricos, nem os procedimentos matemáticos, cujo sentido e valor independem
das vivências de ambos e são o objeto construído ou descoberto pelo sujeito do
conhecimento.
Maria pode não saber que existe
a física quântica e pode, ao ser informada sobre ela, não acreditar nela e não
gostar da ideia de que seu corpo seja apenas movimento infinito de partículas
invisíveis. Isso, porém, não afeta a validade e o sentido da ciência quântica,
descoberta e conhecida pelo sujeito. Luíza tem lembranças agradáveis quando vê
rosas amarelas; Antônio, porém, tem péssimas lembranças quando as vê. Porém,
ver flores e cores, perceber qualidades, senti-las afetivamente não depende de
que queiramos ou não vê-las, como não depende do nosso eu percebê-las
espacialmente ou temporalmente. A percepção de cores, de seres espaciais e
temporais se realiza em mim não apenas segundo minhas vivências psicológicas
individuais, mas também segundo leis, normas, princípios de estruturação e
organização das coisas, que são as mesmas para todos os sujeitos percebedores.
É com essa estruturação e organização que lida o sujeito. A vivência é
singular (minha). O conhecimento é universal (nosso, de todos os humanos).
Eu, pessoa, cidadão
e sujeito constituem a consciência como subjetividade ativa, sede
da razão e do pensamento, capaz de identidade consigo mesma, virtude, direitos
e verdade.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
3 de outubro de 2018 às 17:50
Qual estudioso que explica sobre: Sujeito, eu, pessoa e cidadão constituem a consciência como subjetividade ativa, sede da razão e do pensamento, capaz de identidade consigo mesma, de conhecimento verdadeiro, de decisões livres, de direitos e obrigações?????