O poder teológico-político: o cristianismo
Para compreendermos as teorias
políticas cristãs precisamos ter em mente as duas tradições que o cristianismo
recebe como herança e sobre as quais elaborará suas próprias ideias: a hebraica
e a romana.
Os hebreus, embora tenham
conhecido várias modalidades de governo – patriarcas, juízes, reis -, deram ao
poder, sob qualquer forma em que fosse exercido, uma marca fundamental
irrevogável: o caráter teocrático. Em outras palavras, consideravam eles que o
poder, em sua plenitude e verdade, pertence exclusivamente a Deus e que este,
por meio dos anjos e dos profetas, elege o dirigente ou os dirigentes. O poder
(kratos) pertence a Deus (theos), donde: teocracia. Além disso, os
hebreus se fizeram conhecer não só como Povo de Deus, mas também como Povo da
Lei (a lei divina doada a Moisés e codificada por escrito). A legalidade era
algo tão profundo que, quando o cristianismo se constitui como nova religião,
fala-se na Antiga Lei (a aliança de Deus com o povo, prometida a Noé, Abraão e
dada a Moisés) e na Nova Lei (a nova aliança de Deus com o povo, através do
messias Jesus).
Do lado romano, o processo que
viemos descrevendo acima prosseguiu e, no período em que o cristianismo se
expande e se encontra em vias de tornar-se religião oficial do Império Romano,
o príncipe já se encontra investido de novos poderes. Sendo Roma senhora do
Universo, o imperador romano tenderá a ser visto como senhor do Universo,
ocupando o topo da hierarquia do mundo, em cujo centro está Roma, a Cidade
Eterna.
Ao imperador – ou ao césar[i]
– cabe manter a harmonia e a concórdia no mundo, a pax romana, garantida pela força das armas. Com isso, o príncipe
passou a enfeixar em suas mãos todos os poderes, que antes cabiam ao Senado e
Povo Romano, foi sendo sacralizado, à maneira do déspota oriental, até ser
considerado divino, sendo-lhe atribuídos poderes que pertenciam a Júpiter:
fundador do povo, restaurador da ordem universal e salvador do Universo.
Para cumprir suas tarefas, o
poder imperial centralizado e hierarquizado, desenvolve um complexo sistema
estatal em que prevalece o poderio dos funcionários imperiais (civis e
militares), que se estende como uma rede intrincada de pequenos poderes por
todo o território do Império Romano.
A elaboração da teoria política
cristã como teologia política resultará da apropriação dessa dupla herança pelo
poder eclesiástico.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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