"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Os regimes políticos


Dois vocábulos gregos são empregados para compor as palavras que designam os regimes políticos: arche – o que está à frente, o que tem comando – e kratos – o poder ou autoridade suprema. As palavras compostas com arche (arquia) designam quantos estão no comando. As compostas com kratos (cracia) designam quem está no poder.
Assim, do ponto de vista da arche, os regimes políticos são: monarquia ou governo de um só (monas), oligarquia ou governo de alguns (oligos), poliarquia ou governo de muitos (polos) e anarquia ou governo de ninguém (ana).
Do ponto de vista do kratos, os regimes políticos são: autocracia (poder de uma pessoa reconhecida como rei), aristocracia (poder dos melhores), democracia (poder do povo)[i].
Na Grécia e na Roma arcaicas predominaram as monarquias. No entanto, embora os antigos reis afirmassem ter origem divina e vontade absoluta, a sociedade estava organizada de tal forma que o governante precisava submeter as decisões a um Conselho de Anciãos e à assembléia dos guerreiros ou chefes militares. Isso fez com que, pouco a pouco, o regime se tornasse oligárquico, ficando nas mãos das famílias mais ricas e militarmente mais poderosas, cujos membros se consideravam os “melhores”, donde a formação da aristocracia.
O único regime verdadeiramente democrático foi o de Atenas. Nas demais cidades gregas e em Roma, o regime político era oligárquico-aristocrático, as famílias ricas sendo hereditárias no poder, mesmo quando admitiam a entrada de novos membros no governo, pois as novas famílias também se tornavam hereditárias.  

Devemos a Platão e a Aristóteles duas ideias políticas, elaboradas a partir da experiência política antiga: a primeira delas é a distinção entre regimes políticos e não-políticos; a segunda, a da transformação de um regime político em outro.
Um regime só é político se for instituído por um corpo de leis publicamente reconhecidas e sob as quais todos vivem, governantes e súditos, governantes e cidadãos. Em suma, é político o regime no qual os governantes estão submetidos às leis. Quando a lei coincide com a vontade pessoal e arbitrária do governante, não há política, mas despotismo e tirania. Quando não há lei de espécie alguma, não há política, mas anarquia.
A presença ou ausência da lei conduz à ideia de regimes políticos legítimos e ilegítimos. Um regime é legítimo quando, além de legal, é justo (as leis são feitas segundo a justiça); um regime é ilegítimo quando a lei é injusta ou quando é contrário à lei, isto é, ilegal, ou, enfim, quando não possui lei alguma.
Os regimes políticos se transformam em decorrência de mudanças econômicas – aumento do número de ricos e diminuição do número de pobres, diminuição do número de ricos e aumento do número de pobres – e de resultados de guerras – conquistas de novos territórios e populações, submissão a vencedores que conquistam a Cidade.
Presença ou ausência da lei, variação econômica e militar determinam, segundo Platão e Aristóteles, a corrupção ou decadência dos regimes políticos: a monarquia degenera em tirania, quando um só governa para servir aos seus interesses pessoais; a aristocracia degenera em oligarquia dos muito ricos – plutocracia – ou dos guerreiros – timocracia -, que também governam apenas em seu interesse próprio; a democracia degenera em demagogia e esta, em anarquia. Em geral, a anarquia leva à tirania, quando a sociedade, desgovernada, apela para um homem superior aos outros no manejo das armas e dos argumentos, nele buscando a salvação.
A tipologia platônico-aristotélica segundo o valor dos que participam do poder e a teoria da decadência ou corrupção dos regimes políticos serão mantidas até o século XVIII, aparecendo com vigor numa das obras políticas mais importantes da Ilustração, O espírito das leis, de Montesquieu. Nessa obra, encontramos também uma ideia desenvolvida por Aristóteles, para quem a variação dos regimes políticos depende de dois fatores principais: a natureza ou índole do povo e a extensão do território.
Assim, por exemplo, um povo cuja índole ou natureza tende espontaneamente para a igualdade e a liberdade e cuja Cidade é de pequena extensão territorial, naturalmente instituirá uma democracia e será mal-avisada se a substituir por um outro regime. Em contrapartida, um povo cuja índole ou natureza tende espontaneamente para a obediência a uma única autoridade e que vive num território extenso, naturalmente instituirá a monarquia, sendo desavisada se a substituir por outro regime político. Em outras palavras, os filósofos gregos legaram ao Ocidente a ideia de regimes políticos naturais.

Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.



[i] Os termos compostos com cracia são: autos, eu mesmo, eu próprio, si mesmo; aristos, o melhor, o mais excelente; demos, o povo.

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