Origem da vida política
Entre as explicações sobre a
origem da vida política, três foram as principais e as mais duradouras:
1. As inspiradas no mito das
Idades do Homem ou da Idade de Ouro. Esse mito recebeu inúmeras versões, mas,
em suas linhas gerais, narra sempre o mesmo: no princípio, durante a Idade de
Ouro, os seres humanos viviam na companhia dos deuses, nasciam diretamente da
terra e já adultos, eram imortais e felizes, sua vida transcorria em paz e
harmonia, sem necessidade de leis e governo.
Em cada versão, a perda da Idade
de Ouro é narrada de modo diverso, porém, em todas, a narrativa relata uma
queda dos humanos, que são afastados dos deuses, tornam-se mortais, vivem
isoladamente pelas florestas, sem vestuário, moradia, alimentação segura,
sempre ameaçados pelas feras e intempéries. Pouco a pouco, descobrem o fogo:
passam a cozer os alimentos e a trabalhar os metais, constroem cabanas, tecem o
vestuário, fabricam armas para a caça e proteção contra animais ferozes, formam
famílias.
A última idade é a Idade do
Ferro, em geral descrita como a era dos homens organizados em grupos, fazendo
guerra entre si. Para cessar o estado de guerra, os deuses fazem nascer um
homem eminente, que redigirá as primeiras leis e criará o governo. Nasce a
política com a figura do legislador, enviado pelos deuses.
Com variantes, esse mito será
usado na Grécia por Platão e, em Roma, por Cícero, para simbolizar a origem da
política através das leis e da figura do legislador. Leis e legislador garantem
a origem racional da vida política, a obra da razão sendo a ordem, a harmonia e
a concórdia entre os humanos sob a forma da Cidade. A razão funda a política.
2. As inspiradas pela obra do
poeta grego Hesíodo, O trabalho e os dias.
Agora, a origem da vida política vincula-se à doação do fogo aos homens, feita
pelo semideus Prometeu. Graças ao fogo, os humanos podem trabalhar os metais,
cozer os alimentos, fabricar utensílios e sobretudo descobrir-se diferentes dos
animais. Essa descoberta leva a perceber que viverão melhor se viverem em
comunidade, dividindo os trabalhos e as tarefas. Organizados em comunidades,
colocam-se sob a proteção dos deuses de quem receberam as leis e as orientações
para o governo.
Pouco a pouco, porém, descobrem
que sua vida possui problemas e exige soluções que somente eles podem enfrentar
e encontrar. Mantendo a piedade pelos deuses, entretanto, criam leis e
instituições propriamente humanas, dando origem à comunidade política
propriamente dita. É a teoria política defendida pelos sofistas. Nessa
concepção, o desenvolvimento das técnicas e dos costumes leva a convenções
entre os humanos para a vida em comunidade sob leis. A convenção funda a política.
3. As teorias que afirmam que a
política decorre da Natureza e que a Cidade existe por natureza. Os humanos
são, por natureza, diferentes dos animais, porque são dotados do logos, isto é, da palavra como fala e
pensamento. Por serem dotados da palavra, são naturalmente sociais ou, como diz
Aristóteles, são animais políticos.
Não é preciso buscar nos deuses, nas leis ou nas técnicas a origem da Cidade:
basta conhecer a natureza humana para nela encontrar a causa da política. Os
humanos, falantes e pensantes, são seres de comunicação e é essa a causa da
vida em comunidade ou da vida política. Nessa concepção, a Natureza funda a política.
Na primeira teoria, a política é
o remédio que a razão encontra para a perda da felicidade da comunidade
originária. Na segunda, a política resulta do desenvolvimento das técnicas e
dos costumes, sendo uma convenção humana. Na terceira, enfim, a política define
a própria essência do homem, e a Cidade é considerada uma instituição natural.
Enquanto as duas primeiras reelaboram racionalmente as explicações míticas, a terceira
parte diretamente da definição da natureza humana.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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