Romanos: a construção do príncipe
Senado Romano
Após o primeiro período de sua
história política, a época arcaica e lendária dos reis patriarcais,
semi-humanos e semidivinos, Roma torna-se uma república aristocrática governada
pelos grandes senhores de terras, os patrícios, e pelos representantes eleitos
pela plebe, os tribunos da plebe. O poder cabe a uma instituição designada como
o Senado e o Povo Romano, que pode, em certas circunstâncias previstas na lei,
receber os “homens novos”, isto é, os plebeus que, por suas riquezas,
casamentos ou feitos militares, passam a fazer parte do grupo governante. Roma
é uma república por três motivos principais: 1. o governo está submetido a leis
escritas impessoais; 2. a res publica
(coisa pública) é o solo público romano, distribuído às famílias patrícias, mas
pertencentes legalmente a Roma; 3. o governo administra os fundos públicos
(recursos econômicos provenientes de impostos, taxas e tributos), usando-os
para a construção de estradas, aquedutos, templos, monumentos e novas cidades,
e para a manutenção dos exércitos.
No centro do governo estavam
dois cônsules, eleitos pelo Senado e pelo Povo Romano, aos quais eram entregues
dois poderes: o administrativo (gestão dos fundos e serviços públicos) e o imperium, isto é, o poder judiciário e
militar. O Senado reservava para si duas autoridades: o conselho dos
magistrados e a autoridade moral sobre a religião e a política.
República oligárquica, Roma é
uma potência com vocação militar. Em 50 anos, conquista todo o mundo conhecido,
com exceção da Índia e da China. Esse feito é obra militar dos cônsules que,
como dissemos, foram investidos com o imperium
(poder judiciário e militar). São imperadores.
Pouco a pouco, à medida que Roma
se torna uma potência mundial, alguns dos cônsules (Júlio César, Numa, Pompeu)
reivindicam mais poder e mais autoridade, que lhes vão sendo concedidos pelo
Senado e pelo Povo Romano. Gradualmente, sob a aparência de uma república
aristocrática, instala-se uma república monárquica, que se inicia com Júlio
César e se consolidará nas mãos de Augusto. Com ele, a monarquia irá perdendo o
caráter republicano até substituir o consulado, tornando-se senhorial e
instituir-se como Principado. O príncipe é imperador: chefe militar, detentor
do poder judiciário, magistrado, senhor das terras do império romano,
autoridade suprema.
Essa mudança transparece na
teoria política. Embora esta continue afirmando os valores republicanos –
importância das leis, do direito e das instituições públicas, particularmente
do Senado e Povo Romano – a preocupação dos teóricos estará voltada para a
figura do príncipe.
Inspirando-se no
governante-filósofo de Platão, os pensadores romanos, como Cícero e Sêneca,
produzirão o ideal do príncipe perfeito ou do Bom Governo. A nova teoria política mantém a ideia grega de que a
comunidade política tem como finalidade a vida boa ou a justiça, identificada
com a ordem, harmonia ou concórdia no interior da Cidade. No entanto, agora, a
justiça dependerá das qualidades morais do governante. O príncipe deve ser o
modelo das virtudes para a comunidade, pois ela o imitará.
Na verdade, os pensadores
romanos viram-se entre duas teorias: a platônica, que pretendia chegar à
política legítima e justa educando virtuosamente os governantes; e a
aristotélica, que pretendia chegar à política legítima e justa propondo
qualidades positivas para as instituições da Cidade, das quais dependiam as
virtudes dos cidadãos. Entre as duas, os romanos escolheram a platônica, mas
tenderam a dar menor importância à organização política da sociedade (as três
classes platônicas) e maior importância à formação do príncipe virtuoso.
O príncipe, como todo ser
humano, é passional e racional, porém, diferentemente dos outros humanos, não
poderá ceder às paixões, mas apenas à razão. Por isso, deve ser educado para
possuir um conjunto de virtudes que são próprias do governante justo, ou seja,
as virtudes principescas. O
verdadeiro vir (varão, em latim)
possui três séries de virtutes ou
qualidades morais. A primeira delas é comum a todo homem virtuoso, sendo
constituída pelas quatro virtudes cardeais: sabedoria ou prudência, justiça ou
equidade, coragem e temperança ou moderação. A segunda série constitui o
conjunto das virtudes propriamente principescas: honradez ou disposição para
manter os princípios em todas as circunstâncias, magnanimidade ou clemência,
isto é, capacidade para dar punição justa e para perdoar, e liberalidade, isto
é, disposição para colocar sua riqueza a serviço do povo. Finalmente, a
terceira série de virtudes refere-se aos objetivos que devem ser almejados pelo
príncipe virtuoso: honra, glória e fama.
Cícero insiste em que o
verdadeiro príncipe é aquele que nunca se deixa arrastar por paixões que o
transformem numa besta. Não pode ter a violência do leão nem a astúcia da
raposa, mas deve, em todas as circunstâncias, comportar-se como homem dotado de
vontade racional. O príncipe será o Bom Governo se for um Bom Conselho, isto é,
sábio, devendo buscar o amor e o respeito dos súditos.
Em contraponto ao Bom Governo, a
teoria política ergue o retrato do tirano ou o príncipe vicioso: bestial,
intemperante, passional, injusto, covarde, impiedoso, avarento e perdulário,
sem honra, fama ou glória, odiado por todos e de todos temeroso. Inseguro e
odiado, rodeia-se de soldados, vivendo isolado em fortalezas, temendo a rua e a
corte.
A teoria do Bom Governo deposita
na pessoa do governante a qualidade
da política e faz de suas virtudes privadas, virtudes públicas. O príncipe
encarna a comunidade e a espelha, sendo por ela imitado tanto na virtude quanto
no vício.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
26 de setembro de 2018 às 12:37
muito bom !