O vocabulário da política
O historiador helenista Moses
Finley, estudando as sociedades grega e romana, concluiu que o que chamamos de
política foi inventado pelos gregos e romanos.
Antes de examinarmos o que foi
tal invenção, já podemos compreender a origem greco-romana do que chamamos de
política pelo simples exame do vocabulário usado em política: democracia,
aristocracia, oligarquia, tirania, despotismo, anarquia, monarquia são palavras
gregas que designam regimes políticos; república, império, poder, cidade,
ditadura, senado, povo, sociedade, pacto, consenso são palavras latinas que
designam regimes políticos, agentes políticos, formas de ação política.
A palavra política é grega: ta politika, vinda de polis.
Polis é a Cidade, entendida como a comunidade organizada, formada
pelos cidadãos (politikos), isto é,
pelos homens nascidos no solo da Cidade, livres e iguais, portadores de dois
direitos inquestionáveis, a isonomia
(igualdade perante a lei) e a isegoria
(o direito de expor e discutir em público opiniões sobre ações que a Cidade
deve ou não deve realizar).
Ta politika são os negócios públicos dirigidos pelos cidadãos:
costumes, leis, erário público, organização da defesa e da guerra,
administração dos serviços públicos (abertura de ruas, estradas e portos,
construção de templos e fortificações, obras de irrigação, etc.) e das
atividades econômicas da Cidade (moeda, impostos e tributos, tratados
comerciais, etc.).
Civitas é a tradução latina de polis,
portanto, a Cidade como ente público e coletivo. Res publica é a tradução latina para ta politika, significando, portanto, os negócios públicos dirigidos
pelo populus romanus, isto é, os
patrícios ou cidadãos livres e iguais, nascidos no solo de Roma.
Polis e civitas
correspondem (imperfeitamente) ao que, no vocabulário político moderno,
chamamos de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público,
serviços públicos) e sua administração pelos membros da Cidade.
Ta politika e res publica
correspondem (imperfeitamente) ao que designamos modernamente por práticas
políticas, referindo-se ao modo de participação no poder, aos conflitos e
acordos na tomada de decisões e na definição das leis e de sua aplicação, no
reconhecimento dos direitos e das obrigações dos membros da comunidade política
e às decisões concernentes ao erário ou fundo público.
Dizer que os gregos e romanos inventaram a política não significa
dizer que, antes deles, não existiam o poder e a autoridade, mas sim que
inventaram o poder e a autoridade políticos propriamente ditos. Para
compreendermos o que se pretende dizer com isso, convém examinarmos como era
concebido e praticado o poder nas sociedades não greco-romanas.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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