A atitude filosófica
Imaginemos, agora, alguém que tomasse uma decisão muito
estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de "que horas
são?" ou "que dia é hoje?", perguntasse: O que é o tempo? Em vez
de dizer "está sonhando" ou "ficou maluca", quisesse saber:
O que é o sonho? A loucura? A razão?
Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas
perguntas, suas afirmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia
na chuva para não ficar resfriado”, por: O que é causa? O que é efeito?;
“seja objetivo”, ou “eles são muito subjetivos”, por: O que é a
objetividade? O que é a subjetividade?; “Esta casa é mais bonita do que a
outra”, por: O que é “mais”? O que é “menos”? O que é o belo?
Em vez de gritar “mentiroso!”, questionasse: O que é a
verdade? O que é o falso? O que é o erro? O que é a mentira? Quando existe
verdade e por quê? Quando existe ilusão e por quê?
Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados,
inquirisse: O que é o amor? O que é o desejo? O que são os sentimentos?
Se, em lugar de discorrer tranqüilamente sobre “maior” e
“menor” ou “claro” e “escuro”, resolvesse investigar: O que é a quantidade?
O que é a qualidade?
E se, em vez de afirmar que gosta de alguém porque possui
as mesmas idéias, os mesmos gostos, as mesmas preferências e os mesmos valores,
preferisse analisar: O que é um valor? O que é um valor moral? O que é um
valor artístico? O que é a moral? O que é a vontade? O que é a liberdade?
Alguém que tomasse essa decisão, estaria tomando distância
da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e
os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência.
Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo,
desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que
sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria
começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica.
Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é
Filosofia?” poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as
coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de
nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e
compreendido.
Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que
Filosofia?”. E ele respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às
coisas, sem maiores considerações”.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite
à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.
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