Filosofia: um pensamento sistemático
Essas indagações fundamentais não se realizam ao acaso,
segundo preferências e opiniões de cada um de nós. A Filosofia não é um “eu
acho que” ou um “eu gosto de”. Não é pesquisa de opinião à maneira dos meios de
comunicação de massa. Não é pesquisa de mercado para conhecer preferências dos
consumidores e montar uma propaganda.
As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático.
Que significa isso?
Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos
e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera com
conceitos ou idéias obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige a
fundamentação racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão
filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e
opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas. Não se trata de dizer “eu
acho que”, mas de poder afirmar “eu penso que”.
O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É
sistemático porque não se contenta em obter respostas para as questões
colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e, em segundo
lugar, que as respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si,
esclareçam umas às outras, formem conjuntos coerentes de idéias e
significações, sejam provadas e demonstradas racionalmente.
Quando o senso comum diz “esta é minha filosofia” ou “isso
é a filosofia de fulana ou de fulano”, engana-se e não se engana.
Engana-se porque imagina que para “ter uma filosofia” basta
alguém possuir um conjunto de idéias mais ou menos coerentes sobre todas as
coisas e pessoas, bem como ter um conjunto de princípios mais ou menos coerentes
para julgar as coisas e as pessoas. “Minha filosofia” ou a “filosofia de
fulano” ficam no plano de um “eu acho” coerente.
Mas o senso comum não se engana ao usar essas expressões
porque percebe, ainda que muito confusamente, que há uma característica nas
idéias e nos princípios que nos leva a dizer que são uma filosofia: a
coerência, as relações entre as idéias e entre os princípios. Ou seja, o senso
comum pressente que a Filosofia opera sistematicamente, com coerência e lógica,
que a Filosofia tem uma vocação para formar um todo daquilo que aparece de modo
fragmentado em nossa experiência cotidiana.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite
à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.
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