Nosso próprio tempo (Parte 02/08)
— Um filósofo muito
importante para o século XX foi o alemão Friedrich Nietzsche, que viveu de 1844
a 1900. Nietzsche também reagiu à filosofia de Hegel e ao “historicismo” alemão
que dela resultou. Ele atribuía a Hegel e a seus sucessores um interesse
anêmico pela história e confrontava este interesse com a própria vida. É muito
conhecida a sua reivindicação por uma “revalorização de todos os valores”,
sobretudo da moral cristã, que ele chamava de “moral escrava”, para que o curso
da vida dos fortes não fosse mais obstruído pelos fracos. Para Nietzsche, o
cristianismo e a tradição filosófica tinham se afastado do mundo e se voltado
para o “céu” ou para o “mundo das idéias”. Esses dois últimos teriam se
transformado no “verdadeiro mundo” e, na verdade, não passavam de aparência.
“Sede fiéis à Terra”, ele dizia, “e não acrediteis naqueles que vos falam de
esperanças além deste mundo!”
— Bem…
— Um filósofo que
foi influenciado tanto por Kierkegaard quanto por Nietzsche foi o
existencialista alemão Martin Heidegger, que não vamos abordar aqui, porque
queremos nos concentrar no existencialista francês Jean-Paul Sartre. Sartre
viveu de 1905 a 1980 e foi o filósofo existencialista por excelência, pelo
menos para o grande público. Foi nos anos 40, logo depois da guerra, que ele
desenvolveu a sua filosofia. Mais tarde aliou-se ao movimento marxista na
França, mas nunca chegou a se filiar a um partido.
— Por isso é que
estamos nos encontrando num café francês?
— De qualquer
forma, não é por mero acaso que estamos aqui. Aliás, o próprio Sartre era um
assíduo freqüentador de cafés. E foi num café como este que ele conheceu Simone
de Beauvoir, companheira de toda a sua vida. Ela também era uma filósofa
existencialista.
— Puxa! Até que
enfim uma filósofa!
— Exatamente.
— Sinto um alívio
ao ver que a humanidade finalmente começa a se civilizar.
— Mas nossa época
também é uma época de muitas e novas preocupações.
— Você falava do
existencialismo…
— Sartre disse: “O
existencialismo é humanismo”. Com isto ele queria dizer que o existencialismo
tem como ponto de partida única e exclusivamente o homem. Talvez possamos
acrescentar que o humanismo de Sartre vê a situação do homem de uma maneira
diferente e mais sombria do que o humanismo que conhecemos do Renascimento.
— E por quê?
— Kierkegaard e
outros filósofos existencialistas de nosso século [XX] eram cristãos. Sartre,
ao contrário, representava aquilo que podemos chamar de existencialismo ateu.
Podemos considerar sua filosofia uma análise impiedosa da situação humana
quando “Deus está morto”. A famosa expressão “Deus está morto” é de Nietzsche.
— Continue.
— Como em
Kierkegaard, o conceito-chave por excelência na filosofia de Sartre é a palavra
existência. Aqui, existência não
significa simplesmente “estar vivo”. As plantas e os animais também “existem”
no sentido de que estão vivos, mas são poupados da indagação sobre o que isto significa. O ser humano é o único ser
vivo consciente de sua existência. Sartre diz que as coisas físicas só são “em
si”, ao passo que o homem também é “para si”. Ser uma pessoa é, portanto,
diferente de ser uma coisa.
— Concordo
plenamente.
— Sartre afirma
ainda que a existência do homem precede todo e qualquer sentido desta mesma
existência. Em outras palavras, o fato de que sou é anterior à questão de saber
o que sou. “A existência precede a essência”, ele dizia.
— Isto parece um
tanto complicado.
— Entendemos por
“essência” aquilo que uma coisa realmente é, a “natureza” dessa coisa. Para
Sartre, porém, o homem não possui tal natureza. O homem precisa primeiro
criar-se a si mesmo. Ele precisa criar sua própria natureza, sua própria
essência, já que ela não lhe é dada de antemão.
— Acho que entendo
o que você quer dizer.
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