A crítica de Hume
Como
já pudemos apreciar, Hume mina as bases de todo o conhecimento ao afirmar que,
no mundo, existem apenas eventos isolados que são associados em nossas mentes
devido ao fato de, muitas vezes, aparecerem juntos em certas circunstâncias.
Isto é, trata-se apenas de associações simples e não de uma cadeia causal no
sentido forte da lógica. Conclui ele que estas meras associações de idéias,
baseadas em eventos que se repetem, não constituem um fundamento para a
postulação de Leis que permitam afirmações do tipo: “Dado o Evento A, então
necessariamente ocorrerá o Evento B”, ou ainda “Isto é um Evento do tipo A e
não se confunde com o do tipo B.”.
Para
entendermos direito o pensamento de Hume, é mister que tracemos uma distinção
entre duas idéias: a de Contingência e a de Necessidade.
É
contingente tudo aquilo que não é Necessário, ou seja, tudo aquilo que depende
de uma confirmação observacional para afirmarmos com certeza que existe.
Contingente é aquilo sobre o qual não se pode ter certeza no sentido lógico da
palavra, no sentido forte. Disto concluímos que um conhecimento é contingente
quando dependemos que um evento aconteça para, a partir daí, realizarmos a
observação sobre ele e, então, obtermos o dito conhecimento. Em poucas
palavras, “contingencial” quer dizer que só podemos provar que ocorre depois de
ter ocorrido. Dizemos, então, que o conhecimento que obtemos assim é a
posteriori, isto é, posteriormente à observação do evento.
Necessidade
é, como já tivemos a oportunidade de estudar, aquilo que faz com que saibamos que
algo ocorre antes de realizarmos qualquer observação sobre ele. Se diz que um
conhecimento é Necessário, portanto, somente quando ele é válido
independentemente da situação, do tempo ou do sujeito que conhece. Este
conhecimento possui uma garantia lógica de existência e dispensa qualquer
confirmação por meio de experiências. Neste sentido, dizemos que se trata de um
conhecimento à priori. As diferenças entre a priori e a posteriori serão melhor
estudadas adiante.
Tomemos
um exemplo. Para Hume, o fato de o Sol ter se levantado todas as manhãs, desde
o início dos tempos até o dia de hoje, não colabora para a formulação de
nenhuma Lei que confirme que este astro se levantará, por exemplo, no dia de
amanhã. Em outras palavras, não podemos, logicamente falando, ter certeza de
que o Sol se levantará sempre baseando-nos, apenas, no fato de que, em todos os
outros dias do passado, isso tenha naturalmente ocorrido. O que Hume quer
mostrar é que não há uma relação causal de fato entre os eventos, mas apenas
associações que criamos no decorrer de nossas vidas e que generalizamos como
supostas Leis.
Não
há uma conexão lógica, por exemplo, entre o fato de eu colocar uma panela com
água sobre o fogo e o fato de a água começar a ferver. Segundo Hume, por causa
de estes dois fatos acontecerem numa certa ordem no tempo (primeiro: coloco a
panela com água sobre o fogo; segundo: a água começa a ferver.) com freqüência
de 100% não nos permite criar uma Lei que diga: “A água necessariamente ferve
quando a colocamos sobre o fogo.”.
É
um fato da vida que a água ferva ao ser colocada sobre o fogo, assim como é um
fato da vida que o Sol se levantará amanhã. Contudo só teremos um conhecimento,
no sentido estrito, sobre estes dois eventos no momento em que verificarmos
observacionalmente a ocorrência dos mesmos. Assim, a afirmação: “A água ferve
ao ser colocada sobre o fogo” é absolutamente contingencial, depende da
experiência e, portanto, é um conhecimento à posteriori.
No
entanto, observe a seguinte afirmação: “Se penso em um triângulo, então ele
deve possuir três lados”. O que é dito com esta frase não requer que desenhemos
diversos triângulos para sabermos se, de fato, eles corroboram o meu
pensamento. A conclusão desta afirmação decorre necessariamente da definição de
triângulo. Chamo de triângulo qualquer polígono que possua três lados,
independente do tamanho, cor, tempo ou da pessoa que o desenha. Na verdade, a
afirmação da existência do triângulo independe, até mesmo, de que jamais tenha
sido feito qualquer desenho que o represente. Poderíamos muito bem nunca ter
visto o desenho de um triângulo e, ainda assim, isso em nada afetaria ao
conceito de um polígono de três lados.
A
maioria das afirmações sobre o mundo, no entanto, são afirmações
contingenciais. Dependem da experiência para serem corroboradas. Quando Hume
diz que simplesmente não há maneira de termos certeza sobre elas a não ser
depois de já terem ocorrido, ele acaba gerando uma imensa crise que ameaça
grandemente o conhecimento científico que tem por hábito derivar Leis gerais
baseando-se nas observações, assim como propunha o Empirismo. Hume afirma com
isto que o conhecimento sobre a identidade das coisas, assim como sobre a
decorrência de umas em função das outras (água fervendo em função do calor que
a aquece), não passa de hábitos associativos. Não correspondem a um
conhecimento de fato, mas somente à força do hábito.
Dizemos
que a água irá ferver ao ser colocada sobre o fogo não porque exista a
necessidade de que ela ferva, mas somente porque isto sempre aconteceu. Mais do
que possa aparentar, isto causou um tremendo desconforto entre filósofos e
cientistas que criam na existência invisível de uma conexão entre os eventos no
mundo. Hume conseguiu abalar a fé entre aqueles que acreditavam numa real
existência nas relações causais (Causa à Efeito; Se o Evento A ocorre, então
ocorre o evento B). Todas as previsões científicas que se podiam derivar das
experiências, por exemplo, perderiam o valor na medida em que não se poderia
mais contar com as relações causais. Deste modo, todo o conhecimento
científico, assim como toda a metafísica, poderia muito bem ser descartada como
trivialidades.
Fonte:
Palavra em Ação.
CD-ROM,
Claranto Editora.
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