Nosso próprio tempo (Parte 07/08)
(…)
Atravessaram a
praça da igreja e chegaram à nova rua principal. Alberto estava levemente
irritado. Caminharam um pouco e ele parou diante de uma livraria chamada
Libris, a maior da cidade.
— Você quer me
mostrar alguma coisa aqui?
— Vamos entrar.
Dentro da livraria,
Alberto apontou para a maior estante de livros. Ela estava subdividida em três
partes, assim designadas: NEW AGE, MODOS DE VIDA e MISTICISMO.
Nas prateleiras
havia livros com muitos títulos intrigantes: Existe vida após a morte?, Os
segredos do espiritismo, Tarô, O fenômeno UFO, Curas, O retorno dos deuses,
Você já passou por aqui…, O que é astrologia? e muitos, muitos
outros. Na parte de baixo da estante havia pilhas de outros livros semelhantes.
— Isto é o século
XX, Sofia. Este é o templo da nossa era.
— Você acredita
nessas coisas?
— O que importa é
que muitos desses livros não passam de bobagem. E ainda assim vendem tanto
quanto livros pornográficos. Aliás, muitos deles poderiam ser chamados de
pornografia. Aqui, a geração que está crescendo agora pode comprar os livros
que mais lhe interessam. Só que a relação entre a verdadeira filosofia e esses
livros é mais ou menos a mesma que existe entre o amor verdadeiro e a
pornografia.
— A comparação não
é um tanto grosseira?
— Bem, vamos nos
sentar ali na praça.
E saíram da
livraria. Na frente da igreja, encontraram um banco vazio. Debaixo das árvores,
algumas pombas disputavam uns grãozinhos de alimento. E no meio delas havia um
ou outro pardal muito entusiasmado.
Sentaram-se e
Alberto começou:
— Parapsicologia,
telepatia, clarividência, psicocinética, espiritismo, astrologia, ufologia. A
criança tem muitos nomes.
— Mas, diga-me com
franqueza: você acha que tudo não passa de besteira?
— Naturalmente, não
seria de bom tom para um filósofo de verdade colocar tudo isso num mesmo saco.
Mas não quero excluir a hipótese de que todas essas palavras que acabei de
mencionar esboçam o mapa detalhado de uma paisagem que não existe. Seja como
for, muitas dessas coisas não passam do que Hume chamou de “fantasmagoria e
ilusão” e quis atirar ao fogo. Em muitos desses livros não encontramos uma
única experiência verdadeira.
— Mas então por que
se escrevem tantos livros sobre essas coisas?
— Porque isto é
simplesmente o melhor negócio do mundo. Muitas pessoas querem ter essas coisas.
— E por que você
acha que elas querem essas coisas?
— Porque anseiam
por algo “místico”, por “outra” coisa que aponte para além da monotonia de sua
vida cotidiana. Só que infelizmente acabam exagerando.
— Como assim?
— Aqui estamos nós
no meio de uma aventura fantástica. O milagre da criação se desenrola diante de
nossos olhos. E em plena luz do dia, Sofia! Não é incrível?
— Sem dúvida.
— Para que, então,
procurar tendas ciganas ou os pátios das academias para experimentar algo de
“excitante” ou “transcendente”?
— Você está
querendo dizer que os autores desses livros são todos uns incompetentes e
mentirosos?
— Não, eu não disse
isto. Deixe-me explicar “darwinianamente” o que quero dizer.
— Estou ouvindo.
— Pense em tudo o
que acontece no decorrer de um único dia. Concentre-se num único dia de sua
própria vida e pense em tudo o que você vê e experimenta.
— Certo.
— Às vezes ocorrem
coincidências estranhas. Por exemplo, você entra numa loja e compra uma coisa
que custa vinte e oito coroas. Pouco depois chega Jorunn e traz a você as vinte
e oito coroas que você emprestou para ela não sei quando. Daí você vai ao
teatro e a sua poltrona é de número vinte e oito.
— Sem dúvida,
seriam coincidências misteriosas.
— Mas não deixariam
de ser coincidências. Acontece que muitas pessoas colecionam coincidências como essas. Elas colecionam experiências
misteriosas ou inexplicáveis, extraídas da vida de alguns milhões de pessoas,
que depois são reunidas num livro e apresentadas ao leitor como farto material
de prova. E este material cresce a cada dia. Só que, mesmo neste caso, trata-se
de uma loteria, da qual não passamos de números premiados.
— Quer dizer que
não existem clarividentes ou “médiuns”?
— Existem sim, e se
deixarmos de lado os embustes encontraremos outra explicação importante para as
experiências supostamente místicas que eles vivem.
— E qual é esta
explicação?
— Você ainda deve
se lembrar do que falamos sobre a teoria do inconsciente de Freud.
— Quantas vezes eu
vou ter de dizer que não sou do tipo de pessoa que se esquece facilmente das
coisas?
— Freud já tinha
chamado a atenção para o fato de nós sermos uma espécie de “médium” de nosso
próprio inconsciente. De repente pode acontecer de nos flagrarmos fazendo ou
pensando coisas sem entender bem o porquê. Isto se explica pelo fato de o
número das nossas experiências, pensamentos e vivências ser muito maior do que
o nosso consciente é capaz de armazenar.
— Continue.
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