A Revolução de Outubro
Em outubro de 1917, contra toda expectativa marxista, tem lugar a Revolução
Russa, sob a liderança do Partido Bolchevique.
Por que contra toda expectativa marxista? Porque Marx julgara que a
revolução proletária só poderia realizar-se quando as contradições internas ao
capitalismo esgotassem as possibilidades econômicas e políticas da burguesia e
o proletariado, através da revolução, instaurasse a nova sociedade comunista.
Em termos marxistas, a revolução proletária deveria acontecer nos países de
capitalismo avançado, como a Inglaterra, a França, a Alemanha.
Era essencial para a teoria da praxis
revolucionária o pleno desenvolvimento do capitalismo, pois isso significava
que a infra-estrutura econômica, o avanço tecnológico e o grau de organização
da classe trabalhadora preparariam a grande mudança histórica. Não era
concebível, portanto, a revolução na Rússia, que vivia sob o Antigo Regime (a
monarquia por direito divino, absoluta ou czarista), era majoritariamente
pré-capitalista, com pequeno desenvolvimento do capitalismo em alguns centros
urbanos, promovido não pela burguesia (quase inexistente), mas pelo próprio
Estado e pelo capital externo (inglês, francês e alemão), sem forte consciência
e organização proletárias.
Foi ali, porém, que aconteceu a primeira revolução proletária, antecedida
por duas revoluções menores: a de 1905, que instaurou o parlamento, com
partidos políticos da burguesia liberal, e a de fevereiro de 1917, que
proclamou a república e convocou uma assembleia constituinte, mas cujo governo
provisório não realizou as reformas prometidas e prosseguiu na guerra contra a
Alemanha, provocando reação popular e rebelião das tropas.
Nas circunstâncias russas, o grande sujeito revolucionário não pôde ser a
classe proletária organizada, mas teve que ser uma vanguarda política, liderada
por intelectuais acostumados às lutas clandestinas, o Partido Bolchevique ou a
fração majoritária do Partido Social-Democrata, que iria tornar-se o Partido
Comunista Russo.
Que dificuldades enfrentou a Revolução de Outubro?
● as dificuldades previsíveis, que toda revolução comunista enfrentaria,
isto é, a reação militar e econômica do capital, sob a forma de guerra civil e
de boicote econômico internacional;
● a existência da Primeira Guerra Mundial, que não só depauperou a precária
economia russa, mas também permitiu que os poderes capitalistas enviassem
tropas para auxiliar a contra-revolução, o chamado Exército dos Brancos;
● o fracasso da revolução comunista alemã, em 1919, da qual se esperava não
só apoio para o desenvolvimento da sociedade socialista russa, mas também que
fosse o estopim da revolução proletária mundial; esta, se ocorresse, livraria a
revolução russa do isolamento, do boicote capitalista internacional e da ameaça
permanente de invasão militar capitalista;
● a ausência de forte consciência política e organização operárias num país
majoritariamente camponês e no qual as atividades políticas tinham sido
necessariamente obra de grupos clandestinos, formados sobretudo por
intelectuais e estudantes. O contingente revolucionário mais significativo que
os bolcheviques conseguiram não veio do proletariado organizado, mas das tropas
(exército e marinha) rebeladas contra a guerra mundial, iniciada em 1914. A
militarização, inevitável em toda revolução, no caso da russa
institucionalizou-se como organização do Partido Bolchevique;
● a ausência de economia capitalista desenvolvida que houvesse preparado a
infra-estrutura econômica e a organização sociopolítica para a nova sociedade.
A revolução teve que realizar duas revoluções numa só: a burguesa, de
destruição do Antigo Regime, e a comunista, contra a burguesia. Essa situação,
mais a ruína econômica causada pela guerra e pela continuação da guerra civil,
bem como o boicote do capitalismo internacional obrigaram ao chamado “comunismo
de guerra”, que transformou a “ditadura do proletariado” em ditadura do Partido
Bolchevique para a instauração de uma nova forma inesperada de capitalismo, o capitalismo de Estado, considerado
“etapa socialista” para a futura sociedade comunista. Em outras palavras, a
estatização da economia substituiu a abolição do Estado, prevista pelo Manifesto comunista.
Assenhoreando-se do Estado, o Partido Bolchevique criou um poderoso aparato
militar e burocrático, que, evidentemente, entrou em conflito com os conselhos
populares de operários, camponeses e soldados, os sovietes, pois estes haviam-se organizado para realizar o
autogoverno de uma sociedade sem Estado. Os sovietes foram sendo dizimados e
substituídos por órgãos do Partido Bolchevique, deles restando apenas o nome,
que seria colado ao de república socialista: República Socialista Soviética.
Em 1923, o Partido Bolchevique está profundamente dividido entre a posição
de Trotski – que critica a burocratização e propõe a tese da revolução
permanente – e a de Stalin, que conseguira galgar o posto de secretário-geral
do partido, acumulando enormes poderes em suas mãos. Doente, Lênin escreve um
testamento político no qual sugere o afastamento de Stalin, alertando para o
perigo de seu autoritarismo. Não foi, porém, atendido. Morre em janeiro de
1924.
Valendo-se do cargo e colocando a direção partidária contra Trotski, Stalin
assume o poder do Estado. Sob sua orientação (embora ficasse nos bastidores),
as principais lideranças da revolução foram expulsas do partido; Trotski foi
banido e, em 1940, assassinado por um agente stalinista, no México.
Com a tese “socialismo num só país” (portanto oposta à tese marxista do
internacionalismo proletário e da revolução mundial), Stalin implanta à força a
coletivização da economia, sob a direção do Estado e do partido. Exerce controle
militar, policial e ideológico sobre toda a sociedade, institui o “culto à
personalidade” e, em 1936, começa os grandes expurgos políticos, conhecidos
como “processos de Moscou”. Sempre nos bastidores, conseguiu que seus aliados
forjassem todo tipo de acusação contra lideranças políticas de oposição,
levando-as à condenação à morte, ou à prisão perpétua em campos de
concentração. Fortaleceu a polícia secreta e consolidou o totalitarismo.
Além da coletivização econômica, planejou a economia para investimentos na
indústria pesada, sacrificando a produção de bens de consumo e os serviços
públicos sociais. Prevendo a Segunda Guerra Mundial, orientou a economia para a
indústria bélica, química pesada e energia elétrica, produzindo, às custas de
enormes sacrifícios e privações da população, o maior crescimento econômico da
história da Rússia, que se tornou potência econômica e militar mundial.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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