As experiências totalitárias: fascismo e nazismo
O século XX, durante os decênios
de 1920-1940, viu acontecer uma experiência política sem precedentes: o
totalitarismo, realizado por duas práticas políticas, o fascismo (originado na
Itália) e o nazismo ou nacional-socialismo (originado na Alemanha).
A Alemanha, derrotada na
Primeira Guerra Mundial, perde territórios e é obrigada a pagar somas vultosas
aos vencedores para ressarci-los dos prejuízos da guerra. A economia está
destroçada, reinam o desemprego, a recessão e a inflação galopante. A crise
toma proporções excessivas quando, em 1929, a Bolsa de Valores de Nova York
“quebra”, levando à ruína boa parte do capital mundial.
Partindo da crítica marxista ao
liberalismo, mas recusando a ideia de revolução proletária comunista, o
austríaco Adolf Hitler se oferece à burguesia e à classe média para salvá-las
da revolução operária. Propõe o reerguimento da Alemanha através do
fortalecimento do Estado, do nacionalismo geopolítico (a nação é o “espaço
vital” do povo, que deve conquistar e manter territórios necessários ao seu
desenvolvimento econômico) e da aliança com os setores conservadores do capital
industrial e sobretudo do capital financeiro. Hitler é eleito, em eleições
livres e diretas, para o parlamento e, a seguir, dá o golpe de Estado nazista.
A Itália, embora estivesse do
lado dos vencedores da Primeira Guerra Mundial, ficou insatisfeita com as
compensações que lhe foram dadas e, ao mesmo tempo, tentava manter-se
economicamente pela exploração de colônias na África. Benito Mussolini, como
Hitler, partiu da crítica marxista ao liberalismo, mas, como Hitler, recusava a
ideia de revolução proletária comunista. Em vez dela, propôs o fortalecimento
do Estado nacional, a aliança com setores conservadores do capital industrial e
financeiro, a guerra de conquista de territórios e o nacionalismo baseado nas
glórias do antigo Império Romano.
Por que nazismo? Essa palavra é a abreviação do nome de um partido político
ao qual Hitler se filiou. Inicialmente, o partido denominava-se Partido
Operário Alemão, mas Hitler propôs que fosse denominado Partido Operário Alemão
Nacional-Socialista (Nationalsozialistische
– Nazi). Operário, para indicar a
oposição aos liberais, mas nacional-socialista para indicar a oposição aos
comunistas e socialistas (críticos do nacionalismo por ser uma ideologia
necessária ao capital).
A palavra fascismo foi inventada por Mussolini a partir do vocábulo italiano fascio, feixe. É dupla a significação do
fascio: por um lado, refere-se ao
conjunto de machados reunidos por meio de um feixe de varas, carregados por
funcionários que precediam a aparição pública dos magistrados na antiga Roma,
os machados significando o poder do Estado para decapitar criminosos e as
varas, a unidade do povo romano em torno do Estado; por outro lado, refere-se a
uma tradição popular do século XIX, em que certas comunidades, lutando por seus
interesses e direitos, simbolizavam sua luta e unidade pelos fasci. Mussolini se apropria do símbolo
romano e popular, criando por toda a Itália os fasci de combate.
Embora de origem e significação
diferentes, nazismo e fascismo possuem aspectos comuns:
● o antiliberalismo: não como
afirmação do socialismo e sim como defesa da total intervenção do Estado na
economia e na sociedade civil. Em sua fase inicial, ambos se apresentam contra
a ordem burguesa e conseguem a adesão da maioria da classe trabalhadora, que
sofria as misérias da recessão e do desemprego;
● a colaboração de classe:
afirmação de que o capital e o trabalho não são contrários nem contraditórios,
mas podem e devem colaborar em harmonia para o bem da coletividade. No lugar
das classes sociais, propõem (e criam) as corporações de ofício e de categoria,
de modo a ocultar a divisão entre o capital e o trabalho. A ideia de Estado
Corporativo havia sido elaborada pela Igreja Católica e exposta na bula do papa
Leão XIII, Rerum Novarum, escrita
contra socialistas e comunistas;
● aliança com o capital industrial
monopolista e financeiro: isto é, com os setores do capital cuja vocação é imperialista, exigindo a conquista de
novos territórios para a ampliação do mercado e o acúmulo do capital;
● nacionalismo: a realidade
social é a Nação, entendida como unidade territorial e identidade racial,
lingüística, de costumes e tradições. A nação é o espírito do povo, a pátria-mãe dos antepassados de sangue,
una, única e indivisa;
● corporativismo: a sociedade,
como propunha o papa Leão XIII, deve ser organizada pelo Estado sob a forma de
corporações do trabalho e do capital, hierarquizadas por suas funções e
harmonizadas pela política econômica do Estado;
● partido único que organiza as
massas: em lugar de classes sociais, a nação é vista como constituída pelo
povo e este é a massa organizada pelo partido único, que a exprime e
representa. O partido organiza a sociedade não só em sindicatos corporativos,
mas também em associações: de jovens, de mulheres, de crianças, de artistas, de
escritores, de cientistas, de bairro, de ginástica e dança, de música, etc. A
relação entre a sociedade (a nação) e o Estado é feita pela mediação do
partido;
● ideologia de classe média: no
modo de produção capitalista, há uma camada social que não é
proletária-camponesa, nem é proprietária privada dos meios de produção, não é
burguesa; trata-se da classe média, constituída por comerciantes, profissionais
liberais, intelectuais, artistas, artesãos independentes e funcionários
públicos. Essa classe valoriza os valores e os costumes da burguesia e teme a
proletarização, sendo por isso anti-socialista e anticomunista. Embora admire a
burguesia, sente rancor por não possuir a riqueza e os privilégios burgueses.
Com efeito, a classe média acredita no individualismo competitivo, na ideia
do “homem que se faz sozinho”, graças à disciplina, à boa família, aos bons
costumes e ao trabalho. Mas, ao contrário de suas expectativas, não consegue,
apesar dos esforços, “subir na vida” e responsabiliza a “cobiça dos ricos” por
sua situação inferiorizada, atribuindo-a à desordem do liberalismo. Por essas
características, a classe média é conservadora e reacionária, tendo predileção
por propostas políticas que lhe prometam organizar o Estado e a economia de tal
modo que desapareçam o liberalismo e o risco do socialismo-comunismo. É o
destinatário privilegiado e preferido do nazismo e do fascismo;
● imperialismo belicista: pela
aliança com o capital monopolista e financeiro, pela ideologia nacionalista
expansionista, pela ideologia de classe média, que espera das conquistas
militares melhoria de suas condições sociais, nazismo e fascismo são políticas
de guerra e de conquista. Hitler falará do sangue germânico que corre nas veias
dos povos da Europa central e deverá ser “reconduzido” à mãe-pátria alemã pela
guerra. Mussolini falará nas glórias do Império Romano e em sua reconquista
pelas guerras italianas;
● educação moral e cívica: para
garantir a adesão das massas à ideologia nazi-fascista, o Estado introduz a
educação moral e cívica, pela qual crianças e adolescentes aprenderão os
valores nazi-fascistas de pátria, disciplina, força do caráter, formação de
corpos belos, saudáveis, poderosos, necessários aos guerreiros dos novos
impérios;
● propaganda de massa: o
nazi-fascismo introduz, pela primeira vez na História, a prática (hoje
cotidiana e banal) da propaganda dirigida às massas. Essa propaganda é política,
voltada para a manifestação de sentimentos, emoções e paixões, desvalorizando a
razão, o pensamento e a consciência crítica. Por meio do rádio e da imprensa,
de cartazes, desfiles, bandas, jogos atléticos, filmes, o nazi-fascismo procura
incutir na massa a devoção incondicional à pátria e aos chefes, o amor à
hierarquia, à disciplina e à guerra;
● prática da censura e da delação:
o Estado, através do partido, das associações e de aparelhos especializados
(policiais e militares), controla o pensamento, as ciências e as artes por meio
da censura, queimando livros e obras de arte “contrários” à pátria e aos
chefes, prendendo e torturando os dissidentes, perseguindo os “inimigos
internos”. Estimula também, sobretudo em crianças e jovens, a prática da
delação contra os dissidentes, “desviantes” e “inimigos internos” do Estado;
● racismo: menos forte no fascismo,
é um componente essencial do nazismo, que inventa a ideia de “raça ariana” ou
“raça nórdica”, superior a todas as outras, devendo conquistar algumas para que
a sirvam, e aniquilar outras porque “inservíveis” e “perigosas”. A ideia de
aniquilação das “raças inferiores” faz do genocídio uma política do Estado. O
nazismo considerou os negros africanos, poloneses, tchecos, húngaros, romenos,
croatas, sérvios e demais brancos europeus como raças inferiores a serem
conquistadas. Considerou ciganos e judeus como raças a serem eliminadas
(exterminou seis milhões de judeus);
● estatismo: contra o Estado
liberal (considerado caótico) e contra as revoluções socialistas e comunistas
(que recusam o Estado), o nazi-fascismo cria o Estado forte, centralizado administrativamente,
militarizado, que controla toda a sociedade por meio do partido, das milícias
de jovens, da educação moral e cívica, da propaganda, da censura e da delação.
Existe apenas o Estado como totalidade que engloba em seu interior o todo da
sociedade.
Totalitarismo, portanto, significa Estado total, que absorve
em seu interior e em sua organização o todo da sociedade e suas instituições,
controlando-a por inteiro.
O nazi-fascismo proliferou por toda a parte. Foi vitorioso não apenas na
Itália e na Alemanha, mas, com variações, tomou o poder na Espanha (de Franco),
em Portugal (com Salazar) e em vários países da Europa Oriental.
Conseguiu ter partidos significativos em países como França (Ação
Francesa), Inglaterra, Bélgica, Áustria, Argentina. No Brasil, deu origem à
Ação Integralista Brasileira, criada por Plínio Salgado.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
0 Response to "As experiências totalitárias: fascismo e nazismo"
Postar um comentário