"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

É FOGO (Parte 01/04)

Meio milhão de anos de uso ainda não nos ensinaram todos os segredos das chamas. Hoje os cientistas recorrem ao laser para que as fogueiras da civilização industrial custem menos e façam menos poluição. Pesquisam-se também novas técnicas contra incêndios.
O primeiro homem pré-histórico a entrar numa caverna com uma tocha nas mãos deu um dos mais importantes passos da humanidade. Provavelmente, era um Homo erectus, o ancestral imediato do homem moderno, o Homo sapiens. A tocha nas mãos do senhor erectus, presume-se, veio de um raio que queimou uma árvore. Foi uma glória: a chama iluminou e aqueceu o ambiente, afugentou os animais ferozes, deu origem ao costume do churrasco. Meio milhão de anos depois, o fogo movimentaria os reatores do foguete Saturno V que levou o homem à Lua, em 1969. Mas, por maiores que tenham sido as proezas tecnológicas desde a antiquíssima primeira tocha até a presente era espacial, um paradoxo permanece: o homem ainda não conhece o fogo o suficiente para usá-lo como deveria.

O fogo ajudou como nenhum outro invento ou descoberta a construir a civilização, mas o preço de seu uso inadequado está ficando alto. A maior parte da poluição do planeta, por exemplo, é consequência direta ou indireta da queima de combustíveis. O homem define hoje a combustão como uma reação química entre substâncias, envolvendo geralmente oxigênio, gerando calor e às vezes acompanhada por emissão de luz na forma de uma chama. Mas saber isto ainda não é o suficiente para permitir uma utilização mais racional do fogo.
O Homo erectus já usava fogo há pelo menos 500 mil anos, mas não há indícios de que soubesse fazê-lo: por incrível que pareça, durante centenas de milênios os ancestrais do homem se limitavam a aproveitar o fogo encontrado na natureza, sem ter a menor ideia de como produzi-lo. Isso só aconteceu há cerca de 7 mil anos antes de Cristo, segundo achados fósseis na Europa, portanto já no período neolítico (ou “da pedra polida”). Provavelmente, o primeiro fazedor de fogo deve ter observado uma faísca produzida pelo atrito entre duas pedras ou pedaços de madeira. Para reproduzir o fenômeno, o homem pré-histórico deve ter experimentado com diferentes tipos de pedra, até se decidir pelas melhores, como o sílex e as piritas achadas em escavações arqueológicas.
Essa primeira pesquisa talvez tenha sido o que se poderia chamar atividade científica inaugural do homem — e o resultado, sua conquista tecnológica básica. Não foi um passo simples, como se vê pelo fato de que nem todos os povos primitivos sabiam como fazer o fogo. Os nativos das ilhas Andaman, perto da Índia, e algumas tribos de pigmeus do Congo, na África, por exemplo, jamais conseguiram acender uma fogueira sem partir de uma brasa anterior. Acabaram aprendendo com outros povos. Hoje em dia, os cientistas ainda tratam de aprender os segredos mais íntimos fogo. Os herdeiros dos fazedores de fogo do neolítico usam sondas de raio laser para penetrar no coração das chamas. As reações químicas ali acontecem muito rapidamente, mas graças a equipamentos sofisticados é possível analisar o que se passa em frações de segundo em locais precisos.
Quem já fez uma fogueira sabe que existem modos melhores e piores de dispor a lenha e que existem madeiras que fazem menos ou mais fumaça. No fundo, o que os cientistas querem é descobrir os melhores modos de fazer as muitas fogueiras da civilização industrial: dos altos-fornos das siderúrgicas aos motores de combustão interna dos automóveis. Além disso, procuram descobrir os melhores modos de apagar essas fogueiras quando necessário. Na pesquisa com o fogo, a tecnologia está intimamente relacionada à pesquisa pura. A meta fundamental é queimar com eficiência — o que significa menor custo. Assim, com o mesmo volume de combustível, um carro pode ir mais longe e, para uma indústria, 1 por cento a mais de aproveitamento em milhares de toneladas de combustível pode significar a diferença entre ter lucro ou ficar no vermelho.
Texto de Ricardo Bonalume Neto. Fonte: Revista Superinteressante.

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