Hume (Parte 06/09)
— Hume diria que você já experimentou muitas vezes que uma pedra cai no chão quando a soltamos. Só que você não experimentou o fato de que ela irá sempre cair. Em geral dizemos que a pedra cai ao solo por força da gravidade. Só que nós nunca experimentamos esta lei. Tudo o que experimentamos é que as coisas caem.
— E não é a mesma coisa?
— Não exatamente. Você disse que acredita que a pedra irá sempre cair porque já viu isto muitas vezes. E é exatamente isto que preocupa Hume. Você está tão acostumada com um evento se seguindo ao outro que acha que ele vai acontecer todas as vezes que você soltar uma pedra. É assim que surgem as noções do que chamamos de “leis imutáveis da natureza”.
— Será que ele realmente acha possível que uma pedra não caia no chão quando a soltarmos?
— Na certa ele estava tão convencido quanto você de que a pedra cairia no chão a cada nova tentativa. Mas ele apenas chama a atenção para o fato de não termos experimentado o porquê de as coisas serem assim.
— Não estamos de novo nos afastando um pouco dos bebês e das flores?
— Não, ao contrário. Você pode muito bem tomar as crianças como testemunhas para as afirmações de Hume. Quem você acha que ficaria mais surpreso se a pedra flutuasse no ar por um ou dois segundos, você ou um bebê de um ano?
— Eu ficaria mais surpresa.
— E por que, Sofia?
— Talvez porque eu entenda melhor do que a criança que isto contraria a natureza.
— E por que a criança não entende isto?
— Porque ela ainda não aprendeu o que é a natureza.
— Ou porque a natureza ainda não se tornou um hábito para ela.
— Entendo o que você quer dizer. Hume queria levar as pessoas a observar melhor as coisas.
— Vou lhe dar uma tarefa: se você e um bebê assistirem juntos a um grande número de mágica, um número de levitação, por exemplo, quem você acha que se divertiria mais com o número?
— Acho que… eu.
— E por quê?
— Porque eu saberia que o que vejo é impossível.
— Muito bem. A criança não acha graça no fato de a levitação contrariar as leis da natureza, simplesmente porque ela ainda não as conhece.
— Sim, acho que é por isso mesmo.
— E ainda estamos no ponto crucial da filosofia da experiência de Hume. Ele teria acrescentado que a criança ainda não se tornou escrava de suas expectativas. A criança tem, portanto, menos preconceitos do que você. Podemos perguntar até mesmo se a criança não seria o maior filósofo. É que uma criança não possui opiniões preconcebidas. E isto, minha querida Sofia, é a maior virtude da filosofia. A criança experimenta o mundo tal como ele é, sem acrescentar coisas ao que experimenta.
— Sempre me sinto muito mal quando reconheço que tenho algum preconceito.
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