"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Histórias de abrasar

Héstia, personificação grega do fogo sagrado
 
 
A cada 52 anos os astecas apagavam todos os seus fogos. Um nova chama era então acesa e mantida sobre o peito de um prisioneiro — ardente homenagem ao deus Xiuhtecuhtli. Mais ao sul, na América pré-colombiana, no que viria a ser o Peru, o deus Pachacamac também recebia dos incas sacrifícios humanos. Os cruéis Xiuhtecuhtli e Pachacamac tinham em comum algo existente em praticamente todo canto da Terra — eram divindades do fogo, temidos e venerados na proporção das colossais dificuldades enfrentadas pelo homem primitivo até apropriar-se do fogo.
Os gregos tinham dois deuses para o fogo e aquela que se tornaria a lenda mais conhecida no Ocidente sobre sua aquisição. A deusa Héstia simbolizava o fogo doméstico, as lareiras das casas que protegia. Lareira, por sinal, deriva de lar — o aconchegante lugar da casa onde se acendia o fogo. O outro deus era Hefastos, responsável pela tecnologia do fogo: forjava os raios de Zeus, o maior dos deuses. Hefastos era tão importante embora não fosse nenhum Apolo, ganhou como esposa ninguém menos que Afrodite, a deusa da beleza e do amor.
Os gregos, como se vê, não brincavam com fogo. E quando o herói Prometeu roubou de Zeus o fogo que ele havia tirado dos homens, o grande deus ficou uma brasa — amarrou Prometeu numa montanha, onde uma águia vinha todos os dias bicar-lhe o fígado. O que Héstia era para os gregos, Vesta era para os romanos: virgem e pura (a pureza sempre foi associada ao fogo, purificador dos pecados), devia ser imitada por suas sacerdotisas, as vestais, que tinham por obrigação manter o fogo sagrado e estavam proibidas de namorar.
Na Índia, a deusa do fogo e do lar era homem — Agni, a quem se faziam sacrifícios humanos. O bárbaro costume de cremar as viúvas, que persistiu ali até há bem pouco tempo, provavelmente é aparentado aos sacrifícios ao deus Agni. Na Bíblia, o fogo aparece a toda hora, muitas vezes como instrumento da ação de Javé — que por sinal se apresentou em chamas a Moisés no Sinai. Nos dias santos, os judeus religiosos antigamente não faziam fogo; hoje, não acendem a luz. Já os cristãos acendem lâmpadas votivas e velas em grande quantidades e ainda queimam incenso.
O fogo chegou aos índios brasileiros na lenda dos bororos de Mato Grosso sobre o pajé que ousou roubar a chama do Sol. Como punição. virou japu, um pássaro que por isso mesmo tem o bico vermelho. Em outras latitudes, há lendas mais complicadas. Num mito finlandês, o fogo surge da espada de um deus, passa a pertencer a uma divindade do ar, cai num lago, onde é engolido por uma truta, depois por um salmão que come a truta e, enfim, por um lúcio. Esse último peixe é pescado por um herói, que liberta o fogo e o dá aos homens. 
Fonte: Revista Superinteressante.

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