"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Locke (Parte 02/03)


— O primeiro foi o inglês John Locke, que viveu entre 1632 e 1704. Seu livro mais importante chama-se Um ensaio sobre o entendimento humano, de 1690. Nele, Locke tenta explicar duas questões. Em primeiro lugar, ele pergunta de onde os homens tiram os seus pensamentos e as suas noções. Em segundo, pergunta se podemos confiar no que nossos sentidos nos dizem.
— Um projeto e tanto…
— Vamos tomar um problema de cada vez. Locke está convencido de que todos os nossos pensamentos e todas as nossas noções nada mais são do que um reflexo daquilo que um dia já sentimos ou percebemos através de nossos sentidos. Antes de sentirmos qualquer coisa, nossa mente é como uma tábula rasa, uma “lousa vazia”.
— Isto parece evidente.
— Antes de experimentarmos qualquer coisa, portanto, nossa mente é tão vazia quanto uma lousa antes de o professor entrar na sala de aula. Locke também compara a mente com uma sala em que não há um móvel sequer. Mas então é a vez de os nossos sentidos entrarem em ação: podemos ver o mundo à nossa volta, sentir o cheiro das coisas, seu gosto, podemos tocá-las e ouvi-las. E ninguém faz isto de forma mais intensa do que as crianças. Surgem, assim, as idéias sensoriais simples. Só que a mente não recebe passivamente essas impressões exteriores. Dentro da nossa mente também acontece alguma coisa. As idéias sensoriais simples são retrabalhadas pela reflexão, pela crença e pela dúvida. E o resultado disso, segundo Locke, são as idéias da reflexão. Locke estabelece a distinção, portanto, entre “sensação” e “reflexão”. Isto porque a mente, a consciência, não é um mero receptor passivo. E é exatamente nesse ponto que precisamos ficar alertas.
— Ficar alertas?
— Locke afirma que, através dos sentidos, não conseguimos senão impressões simples. Quando como uma maçã, por exemplo, posso “sentir” a maçã inteira numa única e simples sensação. Na verdade, estou recebendo toda uma série de impressões simples: uma coisa verde, fresca, cheirosa, suculenta e de sabor levemente ácido. Só depois de já ter comido muitas maçãs é que posso pensar que estou comendo “uma maçã”. Locke diz que, neste momento, conseguimos formar a noção complexa de uma maçã. Quando éramos pequenos e comemos maçã pela primeira vez, não possuíamos essa noção complexa. Mas víamos uma coisa verde, sentíamos o gosto de uma coisa fresca e suculenta, nham, nham…, e também um pouco ácida. Aos poucos vamos “amarrando” muitas impressões sensoriais e formando conceitos como “maçã”, “pêra” e “laranja”. Mas é aos nossos órgãos de sentidos que devemos, em última análise, todo o material de que se serve o nosso conhecimento do mundo. E é por isso que é falso e precisa ser eliminado o conhecimento que não pode ser atribuído a impressões sensoriais simples.
— Seja como for, podemos ter certeza de que aquilo que vemos e ouvimos, de que sentimos o cheiro e o gosto, corresponde exatamente ao que sentimos.
— Sim e não. Esta é a segunda questão que Locke se propõe a discutir. Primeiro ele explica de onde retiramos nossas idéias e noções. Em seguida ele pergunta se o mundo é realmente do jeito que nós o percebemos. E isto não é uma coisa absolutamente evidente, Sofia. Não podemos colocar o carro na frente dos bois. Aliás, esta é a única coisa que um verdadeiro filósofo não deve fazer.
— Esqueça o que eu disse.

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