"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Hume (Parte 08/09)


— Quando se trata da relação entre causa e efeito, é provável que muitos considerem o raio a causa do trovão, pois o trovão sempre se segue ao raio. Este exemplo não é muito diferente do exemplo das bolas de bilhar. Mas será que o raio é mesmo a causa do trovão?
— Não exatamente. De fato, o raio e o trovão acontecem ao mesmo tempo.
— Pois tanto o raio quanto o trovão são conseqüências de uma descarga elétrica. Mesmo tendo sempre experimentado que o trovão se segue ao raio, isto não significa que o raio é a causa do trovão. Na verdade, ambos são provocados por um terceiro fator. 

— Entendo.
— Um empírico de nosso século [XX], Bertrand Russell, deu um exemplo um pouco mais grotesco: um pintinho, que todos os dias vive a experiência de ganhar comida quando o avicultor vem ao galinheiro, vai acabar tirando a conclusão de que existe uma relação entre os passos do avicultor no galinheiro e a comida na tigela.
— Mas um dia ele não aprende a achar seu próprio alimento?
— Um dia o avicultor entra no galinheiro e torce o pescoço do frango.
— Ui, que horror!
— O fato de as coisas se sucederem temporalmente às outras não significa, portanto, que exista uma relação de causa e efeito entre elas. Uma das mais importantes tarefas da filosofia é advertir as pessoas quanto ao perigo das conclusões precipitadas. Além disso, as conclusões precipitadas podem levar a várias formas de superstição.
— Como?
— Você vê um gato preto atravessando a rua. Neste mesmo dia, um pouco mais tarde, você tropeça, cai e quebra o braço. Isto não significa que exista uma relação de causa e efeito entre os dois eventos. Também na ciência é muito importante não tirar conclusões precipitadas. Embora muitas pessoas fiquem curadas depois de tomar determinado medicamento, isto não significa que foi o medicamento que as curou. Por isso precisamos ter um grupo de controle formado por indivíduos que acreditam estar tomando o mesmo medicamento, quando na verdade estão tomando bolinhas de farinha e água. Se estas pessoas também se curarem, então deve haver um terceiro fator que as curou: por exemplo, a fé no poder de cura do medicamento.
— Acho que aos poucos estou entendendo o que significa empirismo.
— Também no âmbito da ética e da moral Hume se opôs ao pensamento racionalista. Os racionalistas consideravam uma qualidade inata da razão humana o fato de ela poder distinguir entre certo e errado. Esta idéia do chamado direito natural nós já a encontramos em muitos filósofos, de Sócrates a Locke. Mas Hume não acredita que a razão determina o que dizemos e fazemos.
— Se não é ela, o que seria?
— Nossos sentimentos. Quando você decide ajudar um necessitado, foram os sentimentos que levaram você a isto, e não a razão.
— E se eu não tiver vontade de ajudar?
— Também nesse caso os sentimentos são decisivos. Não ajudar um necessitado não é uma coisa nem racional, nem irracional, mas pode ser uma coisa impiedosa.
— Contudo, certamente deve haver um limite em algum lugar. Todos nós sabemos que não é certo matar uma pessoa.

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