Hume (Parte 05/09)
— “Todas as coisas complexas estão condenadas à decadência.” Hume poderia ter dito a mesma coisa. Ou mesmo Demócrito. Seja como for, sabemos que Hume rejeitou toda e qualquer tentativa de provar a imortalidade da alma ou a existência de Deus. Isto não significa que ele considerava impossíveis ambas as coisas; significa apenas que considerava um absurdo racionalista achar que seria possível provar a fé religiosa com a razão humana. Hume não era cristão; também não era um ateu convicto. Ele era o que chamamos de agnóstico.
— E o que significa isto?
— Um agnóstico é uma pessoa que não sabe se Deus existe. Em seu leito de morte, Hume recebeu a visita de um amigo que lhe perguntou se ele acreditava numa vida após a morte. Contam que Hume respondeu que também era possível um pedaço de carvão ser atirado ao fogo e não se queimar.
— Entendo…
— Foi a resposta típica de um homem que não abria mão da sua imparcialidade. Ele só aceitava como verdade aquilo que podia experimentar pelos sentidos, mas todas as demais possibilidades continuavam em aberto. Hume não rejeitava nem a fé em Jesus Cristo, nem a crença em milagres. Só que em ambos os casos trata-se de crença e não de razão. Podemos dizer que os últimos elos que ligavam a crença ao conhecimento foram quebrados pela filosofia de Hume.
— Você disse que ele não rejeitou categoricamente a idéia do milagre.
— O que também não significa que ele acreditava em milagres. Em muitas passagens, Hume afirma que os homens têm evidentemente uma forte necessidade de acreditar em acontecimentos que hoje chamaríamos de “sobrenaturais”. Só que todos os milagres de que ouvimos falar aconteceram em algum lugar distante de onde estamos, ou então há muitos, muitos anos. Hume só se recusa a acreditar em milagres porque nunca experimentou um milagre. Da mesma forma, e inversamente, ele também nunca experimentou o fato de que milagres não acontecem.
— Explique melhor.
— Hume chama de milagre a um evento que pressupõe a ruptura das leis da natureza. Mas também não podemos afirmar que experimentamos as leis da natureza. Podemos experimentar, isto sim, que uma pedra cai no chão quando a soltamos. Da mesma forma, se ela não caísse, poderíamos experimentar o fato de ela não cair.
— Eu chamaria isto de milagre, ou então de algo sobrenatural.
— Quer dizer que você acredita em duas naturezas: uma natureza e uma “sobrenatureza”. Será que com isto você não está tomando o caminho de volta ao discurso racionalista?
— Pode ser, mas acho que a pedra cai no chão toda a vez que a soltamos.
— E por quê?
— Agora você está sendo impiedoso.
— Não estou não, Sofia. Para um filósofo nunca é errado fazer perguntas. Pode ser que este seja justamente o ponto mais importante da filosofia de Hume. Responda-me: como você pode ter tanta certeza de que a pedra sempre cai no chão?
— É que eu já vi isto tantas vezes que tenho certeza absoluta.
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