"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Hegel (Parte 02/07)



— Todos os sistemas filosóficos anteriores a Hegel tinham tentado estabelecer critérios para o que o homem pode saber sobre o mundo. Isto vale para Descartes e Spinoza, Hume e Kant. Cada um deles se interessou por aquilo que constitui a base de todo o conhecimento humano. Só que todos eles falaram sobre premissas atemporais para o conhecimento do homem sobre o mundo.
— E não é esta a tarefa do filósofo?
— Hegel achava impossível encontrar tais pressupostos atemporais. Ele achava que as bases do conhecimento humano mudavam de geração para geração. Por conseqüência, também não existiam “verdades eternas” para ele. Não existe uma razão desvinculada de um tempo. O único ponto fixo a que a filosofia pode se ater é a própria história.  

— Não, não… explique isto melhor. Se a história vive mudando, como ela pode ser um ponto fixo?
— Um rio também muda constantemente. Isto não significa, porém, que você não possa falar sobre este rio. Só que você não pode perguntar em que ponto do vale o rio é o rio “mais verdadeiro”.
— É verdade, pois o rio é o rio, não importa onde.
— Para Hegel, a história era como a corrente de um rio. O menor movimento na água num certo ponto do rio é determinado pela queda e pelo torvelinho das águas em algum outro ponto rio acima. Só que também são importantes as pedras e as curvas que existem no rio no ponto em que você se encontra e o observa.
— Acho que entendo.
— A história do pensamento, ou da razão, também é como a corrente do rio. Ela contém todos os pensamentos formulados por gerações de pessoas antes de você; e todos esses pensamentos determinam a sua maneira de pensar do mesmo modo como também o fazem as condições de vida do seu próprio tempo. Assim, não podemos afirmar que determinado pensamento está certo para sempre. Este pensamento pode estar correto no ponto em que você se encontra.
— Mas isto não quer dizer que todas as coisas são igualmente falsas, ou igualmente certas, quer?
— Não, só que uma coisa pode ser certa ou errada apenas em relação a um contexto histórico. Se em 1990 você faz todo um discurso defendendo a escravidão, na melhor das hipóteses você vai parecer ridícula. Mas há dois mil e quinhentos anos isto não era tão ridículo, embora naquela época algumas vozes progressistas já reivindicassem o fim da escravidão. Vamos citar um exemplo mais próximo. Há cerca de cem anos, não era tão insensato assim queimar extensas áreas de florestas para transformá-las em campos de cultivo. Hoje isto é de uma insensatez descabida. É que hoje possuímos outras, e melhores, premissas para este julgamento.
— Agora entendi.
— Hegel diz que a razão também é algo dinâmico, um processo. E a “verdade” não é outra coisa senão este processo. É que fora do processo histórico não existe qualquer critério capaz de decidir sobre o que é mais verdadeiro e o que é mais racional.
— Exemplos, por favor.
— Você não pode simplesmente pincelar alguns pensamentos da Antigüidade ou da Idade Média, do Renascimento ou do Iluminismo, e dizer que tais e tais estão certos e que tais e tais estão errados. Da mesma forma, você também não pode dizer que Platão se enganou ou que Aristóteles tinha razão; ou ainda que Hume estava totalmente enganado, enquanto Kant e Schelling tinham razão. Esta é uma forma “não histórica” de pensar.
— É… isto não me soa muito bem mesmo.

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