Hegel (Parte 05/07)
— Há cento e cinqüenta anos, muitos lutavam pelos
direitos das mulheres. E também havia muitos que lutavam energicamente contra
eles. Se analisarmos hoje os argumentos de ambas as partes, não temos
dificuldades em ver quem eram os mais racionais. Mas não podemos nos esquecer
de que estamos analisando o assunto a
posteriori. Ficou provado que os que defendiam a igualdade de direitos
estavam certos. Muitas pessoas sem dúvida se sentiriam envergonhadas se lessem
o que seus avós disseram a respeito deste tema.
— Sim, posso imaginar. E o que Hegel achava?
— Sobre a igualdade de direitos?
— Sim. Ou é melhor não falarmos sobre o assunto?
— Você quer ouvir uma citação?
— Com prazer.
— Vamos lá: “A diferença entre um homem e uma mulher é a
mesma que existe entre um animal e uma planta. O animal corresponde mais ao
caráter do homem, a planta mais ao da mulher, pois o seu desenvolvimento é mais
tranqüilo, já que tem por princípio a unidade mais vaga do sentimento. Se as
mulheres estão à frente do governo, o Estado está em perigo, pois elas não agem
segundo as reivindicações do conjunto, mas segundo a inclinação e a opinião
casuais. A formação das mulheres ocorre, não se sabe ao certo como, por meio da
atmosfera das idéias, por assim dizer: mais pela vida do que pela aquisição de
conhecimentos. Os homens, ao contrário, só chegam à sua posição às custas de
muito pensar e de muitos esforços técnicos”.
— Obrigada, é o bastante. Prefiro não ouvir mais citações
desse tipo.
— Mas a citação é um exemplo muito elucidativo de como se
modificam nossas noções sobre o que é “racional”. Ela mostra que Hegel também
era um autêntico produto de sua época, exatamente como nós somos. Muito daquilo
que nos parece “evidente” hoje não passará no teste da história.
— Você teria um exemplo?
— Não, não tenho.
— Por que não?
— Pois não posso falar de uma coisa que está se
transformando agora. Eu não poderia dizer, por exemplo, que andar de carro é
uma coisa absolutamente idiota porque polui a natureza. Muitas pessoas já acham
isto. Não seria, portanto, um bom exemplo. Mas a história vai mostrar que muito
do que consideramos óbvio não resistirá ao teste da história.
— Entendo.
— E ainda é preciso acrescentar uma coisa: o fato de os
homens na época de Hegel externarem enfaticamente seus julgamentos grosseiros
sobre a inferioridade da mulher incentivou ainda mais o movimento das mulheres.
— Como assim?
— Para usar as palavras de Hegel, os homens propuseram uma
tese. O motivo para eles considerarem isto absolutamente necessário foi o fato
de as mulheres já terem começado a se articular em sua defesa. Afinal, não é
necessário ter uma opinião tão decidida sobre algo em torno do qual todos estão
de acordo. Contudo, quanto mais grosseira era a discriminação dos homens em
relação às mulheres, mais forte foi se tornando a antítese, ou a negação.
— Acho que entendo.
— Podemos dizer, portanto, que os oponentes mais
enérgicos são a melhor coisa que pode acontecer com uma idéia. Quanto mais
enérgicos melhor, pois tanto mais forte será a negação da negação. Não é por
acaso que existe a expressão “jogar lenha na fogueira”.
— Posso sentir o fogo da minha indignação ardendo em
fortes labaredas.
— Do ponto de vista puramente lógico ou filosófico,
freqüentemente existe uma tensão entre dois conceitos.
— Exemplos, por favor.
— Se reflito sobre o conceito de “ser”, não tenho como
deixar de lado da minha reflexão o conceito oposto, ou seja, o “não ser”. É
impossível pensarmos que somos, sem que no momento seguinte nos lembremos de
que um dia não seremos mais. A tensão entre “ser” e “não ser” é resolvida pelo
conceito de “transformar-se”. Pois o fato de uma coisa se transformar
significa, de certa forma, que ela é e não é.
— Entendo.
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