"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

O Período Moderno: O Racionalismo



No período que sucedeu ao renascentista, encontramos os diversos pensadores voltados para um até então ignorado objeto de conhecimento, a saber: a própria capacidade humana de conhecer. O período Moderno do pensamento ocidental inaugura um forte movimento de introspecção filosófica. A questão era entender por quais vias poderia se dar o conhecimento, se por meio de alguma faculdade exclusiva do espírito (ou mente) ou se por meio de estruturas estritamente fisiológicas.
Assim, ao invés de se perguntarem “O que é o mundo?”, os filósofos começaram a fazer a pergunta “O que é o sujeito que conhece o mundo?”. Há uma segunda inversão e percebemos que, novamente, o eixo da investigação filosófica se desloca para focar o Homem no centro das discussões, necessariamente pela forte influência dos anos da Renascença. Podemos dizer que este deslocamento traduz-se no pensamento voltando-se sobre si mesmo. É o pensamento voltando-se para o pensamento, refletindo-se em si mesmo e se perguntando: “Como conheço?”, “Como percebo o mundo?”, “O que pode ser pensado?”, “Será que realmente conheço o que penso conhecer?”.  

Este momento é o auge da dúvida no raciocínio, pois o que está em jogo é a própria capacidade de raciocinar. O ponto central é que as conjecturas sobre o conhecimento deveriam ser minuciosamente analisadas para se ter certeza de que não haveria erros de raciocínio. Isto fez com que este período também ficasse conhecido como Racionalismo. No entanto, esta certeza era algo quase impossível de se conseguir.
Uma das principais críticas pode ser rapidamente expressa da seguinte maneira: a capacidade de conhecer, a razão em última instância, não pode ser analisada por ela mesma. O esforço da razão sobre si mesma pode criar problemas que não existem ou, ainda, esconder os que existem. Como ela é o único critério de avaliação de si mesma, ela se torna um mau critério - e qualquer outro esforço de solucionar o problema torna-se inócuo. Seria mais ou menos como se, num tribunal, o juiz fosse encarregado de julgar a si mesmo.
Ainda assim, este período foi muito produtivo e acabou influenciando fortemente as tendências do pensamento subsequente a ele. Um dos resultados filosóficos mais importantes relativo ao racionalismo é a teoria da representacionalidade. Para compreender como funciona a capacidade do espírito em compreender a sua própria substância que é volátil, amorfa, incorpórea, ao mesmo tempo em que, supostamente, habita um corpo que é sólido, limitado e material, imaginou-se algo que pudesse fazer a ponte, a ligação, a intermediação entre estas duas substâncias aparentemente distintas entre si.
Esta intermediação entre o espírito (mente) e o corpo só poderia ser realizada com a assunção de algo que se colocasse a meio caminho entre eles, este algo era a Representação. A Representação é uma espécie de “invólucro” dentro do qual podemos colocar absolutamente qualquer coisa pensável. Por exemplo, as palavras que estamos lendo neste texto são representações gráficas da linguagem escrita e tentam significar alguma coisa; mas, também, há as representações sonoras da linguagem, que são as palavras que proferimos quando falamos; podemos simplesmente pensar em algo como em um cachorro, ou uma pessoa, e criamos uma imagem mental para qualquer destes objetos, isto também é uma representação; e assim por diante.
Tomemos a palavra escrita; ela é um símbolo, uma representação, e ela como que traz, dentro de si, por assim dizer, um significado que é aquilo que se quer transmitir com o símbolo. Assim é, por exemplo, quando digo “CASA”. Imediatamente interpretamos esta representação gráfica como um objeto no mundo dentro do qual podemos morar. O objeto e a Representação não são a mesma coisa, não se confundem, no entanto podemos substituí-los segundo a nossa conveniência. Às vezes, é mais útil o uso do símbolo, às vezes é mais útil o uso do objeto. Assim, não podemos morar dentro da Representação, e seria de um transtorno enorme tentar carregar a casa nas costas para mostrá-la a um amigo.
Percebemos que sem as representações a vida diária tornar-se-ia impossível, pois já não poderíamos falar, ou pensar, ou escrever, ou fazer gestos etc. Também percebemos que as representações podem ser materiais ou não; por exemplo, podem ser palavras escritas ou simplesmente pensadas. Por esta razão, os filósofos modernos concluíram que a Representação é o intérprete do espírito para o mundo e vice-versa - e acharam por bem sistematizar as representações em modelos. Modelos são representações que criamos para mais facilmente entendermos o mundo; por exemplo, podemos entender mais facilmente o funcionamento de um motor a combustão se analisarmos, primeiro, um modelo gráfico dele.
Astrônomos, lógicos, matemáticos, físicos, biólogos, químicos, e até mesmo filósofos, criam modelos para entender e explicar melhor seus respectivos objetos de estudo. Tomemos o exemplo dos astrônomos que criaram o modelo em escala do sistema solar com bolas de plástico, ou com equações matemáticas, para mais facilmente entender e explicar as circunvoluções dos planetas e seus satélites. Esta tendência em modelizar criou a impressão, nos filósofos racionalistas, que absolutamente tudo é modelizável e, sendo modelizável, sua explicação segue os passos da necessidade mecânica. Isto é, todos os movimentos possuem uma causa que é, em algum grau, física.
Foi nesse período que as máquinas se tornaram o modelo para quase tudo o que se move sobre a terra, inclusive os seres vivos, pois incorporavam a essência do mecânico, do modelo, da representação. O filósofo francês René Descartes chegou a usar o exemplo dos mecanismos de um relógio para explicar o funcionamento do corpo humano. Este tipo de explicação foi tão bem aceita que até nos dias de hoje a medicina vem tentando entender o funcionamento fisiológico humano como um mecanismo, como um mecânico tenta entender o funcionamento de um carro, ou como um relojoeiro tenta entender um relógio super complexo.

Fonte: Palavra em Ação.
CD-ROM, Claranto Editora.

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