O Período Moderno: O Racionalismo
No
período que sucedeu ao renascentista, encontramos os diversos pensadores
voltados para um até então ignorado objeto de conhecimento, a saber: a própria
capacidade humana de conhecer. O período Moderno do pensamento ocidental
inaugura um forte movimento de introspecção filosófica. A questão era entender
por quais vias poderia se dar o conhecimento, se por meio de alguma faculdade
exclusiva do espírito (ou mente) ou se por meio de estruturas estritamente
fisiológicas.
Assim,
ao invés de se perguntarem “O que é o mundo?”, os filósofos começaram a fazer a
pergunta “O que é o sujeito que conhece o mundo?”. Há uma segunda inversão e
percebemos que, novamente, o eixo da investigação filosófica se desloca para
focar o Homem no centro das discussões, necessariamente pela forte influência
dos anos da Renascença. Podemos dizer que este deslocamento traduz-se no
pensamento voltando-se sobre si mesmo. É o pensamento voltando-se para o
pensamento, refletindo-se em si mesmo e se perguntando: “Como conheço?”, “Como
percebo o mundo?”, “O que pode ser pensado?”, “Será que realmente conheço o que
penso conhecer?”.
Este
momento é o auge da dúvida no raciocínio, pois o que está em jogo é a própria
capacidade de raciocinar. O ponto central é que as conjecturas sobre o conhecimento
deveriam ser minuciosamente analisadas para se ter certeza de que não haveria
erros de raciocínio. Isto fez com que este período também ficasse conhecido
como Racionalismo. No entanto, esta certeza era algo quase impossível de se
conseguir.
Uma
das principais críticas pode ser rapidamente expressa da seguinte maneira: a
capacidade de conhecer, a razão em última instância, não pode ser analisada por
ela mesma. O esforço da razão sobre si mesma pode criar problemas que não
existem ou, ainda, esconder os que existem. Como ela é o único critério de
avaliação de si mesma, ela se torna um mau critério - e qualquer outro esforço
de solucionar o problema torna-se inócuo. Seria mais ou menos como se, num
tribunal, o juiz fosse encarregado de julgar a si mesmo.
Ainda
assim, este período foi muito produtivo e acabou influenciando fortemente as
tendências do pensamento subsequente a ele. Um dos resultados filosóficos mais
importantes relativo ao racionalismo é a teoria da representacionalidade. Para
compreender como funciona a capacidade do espírito em compreender a sua própria
substância que é volátil, amorfa, incorpórea, ao mesmo tempo em que,
supostamente, habita um corpo que é sólido, limitado e material, imaginou-se
algo que pudesse fazer a ponte, a ligação, a intermediação entre estas duas
substâncias aparentemente distintas entre si.
Esta
intermediação entre o espírito (mente) e o corpo só poderia ser realizada com a
assunção de algo que se colocasse a meio caminho entre eles, este algo era a
Representação. A Representação é uma espécie de “invólucro” dentro do qual
podemos colocar absolutamente qualquer coisa pensável. Por exemplo, as palavras
que estamos lendo neste texto são representações gráficas da linguagem escrita
e tentam significar alguma coisa; mas, também, há as representações sonoras da
linguagem, que são as palavras que proferimos quando falamos; podemos
simplesmente pensar em algo como em um cachorro, ou uma pessoa, e criamos uma
imagem mental para qualquer destes objetos, isto também é uma representação; e
assim por diante.
Tomemos
a palavra escrita; ela é um símbolo, uma representação, e ela como que traz,
dentro de si, por assim dizer, um significado que é aquilo que se quer
transmitir com o símbolo. Assim é, por exemplo, quando digo “CASA”. Imediatamente
interpretamos esta representação gráfica como um objeto no mundo dentro do qual
podemos morar. O objeto e a Representação não são a mesma coisa, não se
confundem, no entanto podemos substituí-los segundo a nossa conveniência. Às
vezes, é mais útil o uso do símbolo, às vezes é mais útil o uso do objeto.
Assim, não podemos morar dentro da Representação, e seria de um transtorno
enorme tentar carregar a casa nas costas para mostrá-la a um amigo.
Percebemos
que sem as representações a vida diária tornar-se-ia impossível, pois já não
poderíamos falar, ou pensar, ou escrever, ou fazer gestos etc. Também
percebemos que as representações podem ser materiais ou não; por exemplo, podem
ser palavras escritas ou simplesmente pensadas. Por esta razão, os filósofos
modernos concluíram que a Representação é o intérprete do espírito para o mundo
e vice-versa - e acharam por bem sistematizar as representações em modelos.
Modelos são representações que criamos para mais facilmente entendermos o
mundo; por exemplo, podemos entender mais facilmente o funcionamento de um
motor a combustão se analisarmos, primeiro, um modelo gráfico dele.
Astrônomos,
lógicos, matemáticos, físicos, biólogos, químicos, e até mesmo filósofos, criam
modelos para entender e explicar melhor seus respectivos objetos de estudo.
Tomemos o exemplo dos astrônomos que criaram o modelo em escala do sistema
solar com bolas de plástico, ou com equações matemáticas, para mais facilmente
entender e explicar as circunvoluções dos planetas e seus satélites. Esta
tendência em modelizar criou a impressão, nos filósofos racionalistas, que
absolutamente tudo é modelizável e, sendo modelizável, sua explicação segue os
passos da necessidade mecânica. Isto é, todos os movimentos possuem uma causa
que é, em algum grau, física.
Foi
nesse período que as máquinas se tornaram o modelo para quase tudo o que se
move sobre a terra, inclusive os seres vivos, pois incorporavam a essência do
mecânico, do modelo, da representação. O filósofo francês René Descartes chegou
a usar o exemplo dos mecanismos de um relógio para explicar o funcionamento do
corpo humano. Este tipo de explicação foi tão bem aceita que até nos dias de
hoje a medicina vem tentando entender o funcionamento fisiológico humano como
um mecanismo, como um mecânico tenta entender o funcionamento de um carro, ou
como um relojoeiro tenta entender um relógio super complexo.
Fonte:
Palavra em Ação.
CD-ROM,
Claranto Editora.
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