Kierkegaard (Parte 07/07)
— Aquele que vive no estágio estético está sujeito a
sentimentos de medo e a sensação de vazio. Mas se ele experimenta esses
sentimentos, então também há esperança. Para Kierkegaard, o medo é uma coisa quase positiva. Ele é
um sinal de que a pessoa se encontra numa “situação existencial”. O esteta pode
então decidir se quer dar o salto
para um estágio superior. Ou ele acontece, ou então não acontece. De nada ajuda
estar na iminência de pular e depois não realizar o salto. Ou uma coisa ou outra. E também não é possível que outra pessoa dê
o salto em seu lugar. Você mesma tem de decidir e você mesma tem que pular.
— É mais ou menos como quando alguém quer largar a bebida
ou as drogas.
— Sim, talvez. Quando Kierkegaard fala dessa decisão, ele
nos faz lembrar um pouco de Sócrates, para quem todo conhecimento verdadeiro
vinha de dentro. A decisão que leva uma pessoa a saltar de uma visão de mundo
estética para uma ética ou religiosa deve vir de dentro. É exatamente isto que
Ibsen mostra em Peer Gynt. Outro
exemplo magistral de uma escolha existencial nos é dado pelo romance Crime e castigo, do escritor russo Dostoievski. Quando terminarmos nosso
curso de filosofia, você não pode deixar de ler este livro.
— Vamos ver. Quer dizer que Kierkegaard acha que quando a
coisa fica séria para o lado de alguém, a pessoa escolhe outra forma de ver a
vida.
— E talvez comece a viver num estágio ético. Este estágio é marcado pela seriedade e por decisões
consistentes, tomadas segundo padrões morais. Você se recorda da ética do
dever, de Kant, segundo a qual devemos tentar viver de acordo com a lei moral.
Como Kant, Kierkegaard também dedica sua atenção neste assunto sobretudo ao
temperamento humano. O essencial não é necessariamente o que se considera certo
ou errado. O essencial é a decisão de se posicionar em relação ao que é certo e
ao que é errado. O esteta se interessa apenas pelo que é divertido ou
entediante.
— E não se corre o risco de se levar a vida um pouco a
sério demais quando se vive assim?
— É claro que sim. Mas Kierkegaard ainda não está
satisfeito com o estágio ético. Para ele, também chega o dia em que o homem
zeloso se cansa de ser tão ordeiro e tão cônscio de seus deveres. Muitas
pessoas passam bem tarde na vida por esta fase de tédio e de fadiga. E então é
possível que algumas delas adotem uma atitude mais lúdica em relação à vida e
retornem ao estágio estético. Outras, por sua vez, ousam mais um salto rumo ao
próximo estágio, o estágio religioso.
Elas ousam o grande salto rumo às “setenta mil braças de água” da fé. Elas
preferem a fé ao prazer estético e aos mandamentos da razão. E embora possa ser
desesperador “cair nas mãos do Deus vivo”, para usar uma expressão do próprio
Kierkegaard, só nesse caso o homem pode se reconciliar com sua própria vida.
— Através do cristianismo, portanto.
— Sim. Para Kierkegaard, o estágio religioso era o
cristianismo. Apesar disso, sua filosofia influenciou também muitos pensadores
não-cristãos. Em nosso século [XX] surgiu uma chamada filosofia da existência, ou Existencialismo, fortemente inspirada
em Kierkegaard.
Sofia olhou o relógio.
— São quase sete. Preciso voltar correndo para casa, senão
minha mãe vai ficar louca comigo.
Despediu-se do seu professor de filosofia e desceu
correndo rumo ao lago onde estava ancorado o barco a remo.
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