"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Kierkegaard (Parte 06/07)



— Vimos, portanto, o que Kierkegaard entendia por “existência”, “verdade subjetiva” e “fé”. Kierkegaard chegou até esses conceitos por meio da crítica à razão filosófica, sobretudo a Hegel. Só que esses conceitos também expressam toda uma crítica da civilização. Para Kierkegaard, a sociedade urbana moderna transformou o homem em “público”, em “instância coletiva”, e a primeira característica da multidão é justamente este “palavrório” inconseqüente. Hoje talvez empregássemos a palavra “conformidade”, ou seja, o fato de que todos “acham” ou “defendem” uma mesma coisa, mas ninguém tem uma relação verdadeiramente apaixonada com o tema.  

— Imagino o que Kierkegaard não teria dito aos pais de Jorunn!
— De fato, ele não foi muito indulgente com os outros. Foi um crítico mordaz, capaz de usar uma ironia cáustica. Ele escreveu, por exemplo: “A multidão é a inverdade”. Ou: “A verdade está sempre na minoria”. Kierkegaard disse também que a maioria das pessoas se relacionava de forma extremamente inconseqüente com a vida.
— Colecionar bonecas Barbie é uma coisa. Ser uma Barbie é ainda pior…
— Isto nos leva à teoria de Kierkegaard sobre os três estágios na trajetória da vida.
— O que você disse?
— Kierkegaard achava que havia três possibilidades diferentes de existência. Ele mesmo emprega a palavra “estágios”. A essas possibilidades ele dá o nome de “estágio estético”, “estágio ético” e “estágio religioso”. Quando emprega a palavra “estágio”, ele quer dizer que podemos estar vivendo num dos dois estágios inferiores e de repente conseguimos “saltar” para um estágio superior.
— Aposto que vem aí uma explicação. Eu mesma estou curiosa para saber em qual dos três estágios me encontro.
— Quem vive no estágio estético vive o momento e visa sempre ao prazer. Bom é aquilo que é belo, simpático ou agradável. Desse ponto de vista, tal pessoa vive inteiramente no mundo dos sentidos. O esteta acaba virando joguete de seus próprios prazeres e estados de ânimo. Negativo é tudo aquilo que aborrece, que “não é legal”, como se costuma dizer hoje em dia.
— Ah… Isso aí eu conheço muito bem.
— O romântico típico também é um esteta, pois não se trata aqui simplesmente de prazer sensorial. Uma pessoa que possui uma relação lúdica com a realidade, ou, por exemplo, com a arte ou a filosofia de que se ocupa, também vive num estágio estético. E mesmo diante da preocupação e do sofrimento é possível se adotar um comportamento estético ou “de mero observador”. Neste caso, é a vaidade que toma as rédeas de tudo. Peer Gynt, de Ibsen, é retrato do esteta típico.
— Acho que entendo o que Kierkegaard quer dizer.
— Você está se reconhecendo neste conceito?
— Não inteiramente. Mas acho que isto tudo lembra um pouco o major.
— Sim, sim, é possível, Sofia. Embora isto seja outro exemplo da ironia romântica kitsch que é peculiar a ele. Você deveria lavar a boca!!
— O que você disse?
— Bem… não foi sua culpa.
— Prossiga.

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