Religião
Se
tentarmos lembrar o que vimos à respeito das primeiras explicações propostas
pelas sociedades antigas sobre os eventos físicos do mundo, assim como sobre o
próprio fenômeno da vida, que também não deixa de ser um evento físico no
mundo, veremos que estas explicações se baseavam em histórias acerca de seres
fantásticos como deuses, ninfas, titãs, sátiros e outras entidades com poderes
maiores ou menores sobre o destino dos seres mortais. Estas histórias foram
reunidas sob o nome de Mitologia, sendo que cada povo, cada cultura, podia
possuir a sua mitologia particular.
Esses
poderes sobre os seres humanos colocavam as entidades mitológicas em um nível
de existência não humano, em geral eram consideradas imortais. Isto acabou
criando uma ruptura, uma distinção entre dois níveis de existência: a mortal e
a imortal, a humana e a divina, a do profano e a do sagrado. Na existência
humana, mortal e profana, tudo é limitado, tudo é visível e material, por este
mesmo motivo tudo é corruptível e imperfeito em essência. Já no plano do
divino, do imortal, do sagrado, todas as causas são consideradas invisíveis.
Neste plano divino não pode haver limites, nem temporais nem espaciais, para as
deidades. Assim, os deuses devem possuir um poder ilimitado sobre tudo o que os
cerca e, em geral, as suas razões e ações devem estar para além de nossa
compreensão mortal, limitada e imperfeita. Estes fatores lhes conferem um ar
mágico, misterioso, sublime e, às vezes, assombroso e assustador.
Para
os povos mais antigos, tudo no mundo que parecia não possuir uma causa natural
(em outras palavras, que parecia possuir uma causa não física), automaticamente
passava a ter uma origem mágica ou misteriosa por função da ação de algum ser
divino e poderoso cujas razões eram um total mistério. Se, por exemplo,
retomarmos a mitologia grega, perceberemos que os deuses daquelas histórias possuíam
humores muito diversos como raiva, inveja, ciúme, paixão, desejo, além de
outras. Na medida em que lhes eram atribuídas certas responsabilidades, como
sobre as boas ou as más colheitas, sobre as tempestades ou as calmarias no mar,
ou mesmo sobre as vitórias ou as derrotas nas guerras, os gregos passaram a
querer seduzir a vontade divina tentando conduzi-la de acordo com os seus
interesses mortais particulares.
Deste
modo, o ser humano passou a tentar reconquistar um paraíso perdido, vendo-se na
necessidade de uma re-união com a divindade que lhe retirou este paraíso. O
termo Religião vem de uma contração latina que significa religar; ligar ou unir
novamente, no caso o Homem com sua origem divina perdida. Este desejo de uma
re-ligação do homem com sua origem divina perdida, assim como foi contada em
muitas histórias mitológicas (como por exemplo a de Adão e Eva, na mitologia
judaica), pode, hipoteticamente, advir de duas causas principais: a primeira,
de uma ânsia inata de tornar ilimitado tudo que é limitado, de conhecer o
incompreensível, em participar do sublime ou de algo que só podemos imaginar
como um Paraíso ou como um estado de Super-Existência; a segunda, de um medo
irracional, instintivo, de algo que está para além dos umbrais da vida, um medo
que pode ser atribuído à dor do desaparecimento, ou do simples impulso de
conservação ou de proteção da vida biológica.
Seja
pelo motivo da atração (pelo desejo de conseguir um bom lugar no céu) ou pelo
motivo da repulsão (pelo medo de sermos castigados por erros que cometemos
durante a vida) nos vemos impelidos a tentar esta re-ligação com o deus ou com
os deuses que acreditamos existir no plano do sobrenatural. O exercício da
religião se dá por meio de cultos nos quais representamos, em um ritual, um
comprometimento em restabelecer nosso vínculo com o divino. Porém, como o
profano não pode se unir ao sagrado por seus próprios meios, entra em ação a
figura de um sacerdote, um homem santo que já se re-ligou com a divindade por
meio de muitos sacrifícios, ou simplesmente porque assim foi o desejo da
divindade. Este sacerdote serve de intermediário entre o profano e o sagrado,
entre o pecado e a redenção, entre o finito e o infinito, entre o erro e a perfeição.
Desta maneira, será ele o responsável por levar, por meio de um ritual
planejado previamente, a oferenda daquele que quer se re-ligar com sua origem
mítica ou até com o próprio Mítico.
Podemos
ver isto acontecendo, por exemplo, numa missa católica, em que o padre (o
sacerdote) conduz os fiéis (o profano) ante o altar (símbolo do divino na
Terra). O padre se põe exatamente entre o sagrado e o profano e repete
precisamente os gestos e as palavras ensinados por um enviado da divindade.
Assim
se simboliza o comprometimento entre as duas partes, seja por meio da
penitência, que é um tipo de pagamento pela culpa do ato que o afastou do divino
em primeiro lugar, seja por meio do sacrifício de sangue como quando,
metaforicamente, o padre e os fiéis bebem o vinho e comem a hóstia
representando, respectivamente, o sangue e a carne de Deus na Terra (do cordeiro
de Deus).
Todos
os rituais religiosos têm este fim: o de, por meio de sacrifícios de diversos
tipos, promover a re-ligação do homem com o sobrenatural. Mas é necessário que
o homem possua a crença num plano imaterial, num plano que vai além da carne,
que vai além do físico, que vai além da vida mundana. Desta forma, a religião
também possui um papel de doutrinação; isto é, o de ensinar e cativar, o de
convencer aqueles que não acreditam numa re-ligação com o plano divino de que é
preciso acreditar, muitas vezes sob pena de um risco alto para a parte de nós
que não é física, ou seja, sob a ameaça de um risco para a nossa alma, ou para
o nosso espírito ou mesmo para a nossa mente.
Fonte:
Palavra em Ação.
CD-ROM,
Claranto Editora.
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