"Nada se espalha com maior rapidez do que um boato" (Virgílio)

Kierkegaard (Parte 05/07)



— Kierkegaard também disse que a verdade era “subjetiva”. Não no sentido de que é totalmente indiferente o que pensamos ou aquilo em que acreditamos. Kierkegaard só queria dizer que as verdades realmente importantes são pessoais. Somente tais verdades são “verdades para mim”, são verdades para cada um.
— Você poderia me dar um exemplo dessas verdades subjetivas?
— Uma questão importante, por exemplo, é a de se saber se o cristianismo é verdade. Para Kierkegaard, esta não é uma questão para ser encarada do ponto de vista teórico ou acadêmico. Para alguém que se entende como algo que existe, trata-se aqui de vida ou morte. E isto não se discute simplesmente porque se gosta de discutir. Trata-se de algo que deve ser abordado com absoluta paixão.  

— Entendo.
— Quando você cai na água, você não fica teorizando sobre a questão de saber se vai ou não se afogar. Também não é interessante ou desinteressante saber se há crocodilos na água. Trata-se de uma questão de vida ou morte.
— Claro!
— É preciso distinguir, portanto, entre a questão filosófica de saber se Deus existe e a relação do indivíduo para com esta mesma questão. Trata-se aqui de questões com as quais cada um tem de se confrontar sozinho. Além disso, não podemos abordar estas questões através da . Kierkegaard não considera essencial aquilo que somos capazes de compreender com nossa razão.
— Não entendi.
— Oito mais quatro são doze, Sofia. Podemos estar absolutamente certos quanto a isto. Trata-se de um exemplo para as verdades racionais, sobre as quais falaram todos os filósofos desde Descartes. Mas nós as incluímos em nossas orações antes de dormir? E por acaso ficamos quebrando a cabeça sobre elas em nosso leito de morte? Não. Por mais “objetivas” ou “genéricas” que tais verdades sejam, é exatamente por isso que elas são tão pouco importantes para a existência de cada um.
— E a questão da fé?
— Você não pode saber se uma pessoa te perdoa quando você faz alguma coisa de errado para ela. Trata-se de uma questão com a qual você está profundamente envolvida. E exatamente por isso ela é existencialmente importante para você. Você só pode acreditar ou ter esperança de que assim seja. Apesar disso, essas coisas são mais importantes para você do que o fato incontestável de que a soma dos ângulos de um triângulo é cento e oitenta graus. Por fim, ninguém pensa na lei da causa e efeito ou nas “formas da sensibilidade” de Kant quando ganha o primeiro beijo.
— Não, isto seria uma loucura.
— E a fé assume importância maior quando se trata de questões religiosas. Kierkegaard acha que se quero entender Deus objetivamente, isto significa que eu não creio; e precisamente porque não posso entendê-lo objetivamente é que preciso crer. Assim, se quero preservar minha fé, preciso estar sempre atento para não me esquecer de que estou na incerteza objetiva “sobre setenta mil braças de água”, e ainda assim creio.
— Esta foi da pesada.
— Antes de Kierkegaard, muitos tinham tentado provar a existência de Deus ou então entendê-la racionalmente. Mas quando nos envolvemos com tais provas de existência de Deus ou com tais argumentos racionais, perdemos nossa fé e, com ela, nosso fervor religioso. Isto porque o fundamental não é saber se o cristianismo é verdadeiro, mas se é verdadeiro para mim. Na Idade Média expressava-se o mesmo pensamento com a fórmula “credo quia absurdum”.
— O quê?
— A expressão significa “Creio, porque é absurdo”. Se o cristianismo tivesse apelado à razão, e não ao nosso outro lado, ele não seria uma questão de fé.
— Agora entendi.

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