Kierkegaard (Parte 04/07)
— Aos dezessete anos, Kierkegaard começou a estudar
teologia, mas logo foi se interessando cada vez mais por questões filosóficas.
Doutorou-se aos vinte e oito anos com a tese “O conceito da ironia em
Sócrates”. Nesta obra, Kierkegaard acerta as contas com a ironia romântica e
com a forma descompromissada de os românticos brincarem com a ilusão. À ironia
romântica Kierkegaard contrapõe a “ironia socrática”. Sócrates também fizera
uso do recurso estilístico da ironia, mas só com o intuito de chamar a atenção
de seus ouvintes para uma atitude mais séria em relação à vida. Sócrates era
para Kierkegaard, ao contrário do que significa para os românticos, um pensador
existencial, ou seja, alguém que transporta toda a sua existência para dentro
de sua reflexão filosófica. Ao contrário dos românticos, que para Kierkegaard
não tinham feito nada disso.
— Entendo.
— Depois de romper seu noivado, Kierkegaard viajou em
1841 para Berlim, onde assistiu a conferências de alguns filósofos, dentre eles
Schelling.
— Ele chegou a se encontrar com Hegel em Berlim?
— Não. Hegel já havia falecido dez anos antes, embora
continuasse a viver “em espírito” em Berlim e em muitas partes da Europa. Seu
“sistema” era usado como uma espécie de explicação geral para todas as
perguntas imagináveis. Kierkegaard assumiu uma posição radicalmente oposta e
explicou que as “verdades objetivas”, com as quais se ocupava a filosofia
hegeliana, eram totalmente irrelevantes para a existência do homem enquanto indivíduo.
— E que verdades seriam relevantes?
— Para Kierkegaard, mais importante do que a busca de uma
VERDADE com letras maiúsculas era a busca
por verdades que são importantes para a vida de cada indivíduo. Ele dizia que o
importante era encontrar “a minha verdade”, a verdade de cada um. Ele opunha o
indivíduo ao “sistema”, portanto. Kierkegaard dizia que Hegel também tinha se
esquecido de que era apenas uma pessoa. Ele zombava do tipo do professor
hegeliano que vivia no alto de uma torre de marfim e que, preocupado em
explicar os mistérios da vida, esquecia o seu próprio nome, esquecia-se de que
era uma pessoa, uma pessoa como outra qualquer, e não meia dúzia de parágrafos
bem elaborados que de verbo tinham se tornado carne.
— E o que é o ser humano para Kierkegaard?
— Isto não dá para responder de uma maneira geral.
Kierkegaard não está nem um pouco interessado numa descrição genérica da
natureza ou do “ser” humano. Fundamental para ele é a existência de cada um. E o homem não experimenta sua existência atrás
de uma escrivaninha. Somente quando agimos, e sobretudo quando fazemos uma escolha, é que nos relacionamos com
nossa própria existência. Uma história que se conta sobre Buda pode ilustrar o
que Kierkegaard quer dizer.
— Sobre Buda?
— Sim, pois a filosofia de Buda também tem como ponto de
partida a existência humana. Certa vez, um monge disse a Buda que ele dava
respostas pouco claras para perguntas importantes, tais como o que é o mundo ou
o ser humano. Buda respondeu com o exemplo de uma pessoa que é ferida por uma
seta envenenada. O ferido não tem qualquer interesse teórico em saber de que
material a seta é feita, em que tipo de veneno ela foi embebida ou de que
ângulo ela o atingiu.
— Provavelmente, o que ele quer é que alguém lhe extraia
a seta envenenada e cuide do ferimento.
— Não é mesmo? Isto sim seria existencialmente importante para ele. Tanto Buda quanto Kierkegaard
tinham plena consciência de que só viveriam por um curto período de tempo. E,
como dissemos, nesse caso não dá para ficar sentado atrás de uma escrivaninha,
especulando sobre o espírito do mundo.
— Entendo.
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