Críticas à religião
As primeiras críticas à religião
feitas no pensamento ocidental vieram dos filósofos pré-socráticos, que
criticaram o politeísmo e o antropomorfismo. Em outras palavras, afirmaram que,
do ponto de vista da razão, a pluralidade dos deuses é absurda, pois a essência
da divindade é a plenitude infinita, não podendo haver senão uma potência
divina.
Declararam também absurdo o
antropomorfismo, uma vez que este reduz os deuses à condição de seres
super-humanos, isto é, as qualidades da essência divina não podem confundir-se
com as da natureza humana. Essas críticas foram retomadas e sistematizadas por
Platão, Aristóteles e pelos estoicos.
Uma outra crítica à religião foi
feita pelo grego Epicuro e retomada pelo latino Lucrécio. A religião, dizem
eles, é fabulação ilusória, nascida do medo da morte e da Natureza. É
superstição. No século XVII, o filósofo Espinosa retoma essa crítica, mas em
lugar de começar pela religião, começa pela superstição. Os homens, diz ele,
têm medo dos males e esperança de bens. Movidos pelas paixões (medo e
esperança), não confiam em si mesmos nem nos conhecimentos racionais para
evitar males e conseguir bens.
Passional ou irracionalmente,
depositam males e bens em forças caprichosas, como a sorte e a fortuna, e as
transformam em poderes que os governam arbitrariamente, instaurando a
superstição. Para alimentá-la, criam a religião e esta, para conservar seu
domínio sobre eles, institui o poder teológico-político. Nascida do medo
supersticioso, a religião está a serviço da tirania, tanto mais forte quanto
mais os homens forem deixados na ignorância da verdadeira natureza de Deus e
das causas de todas as coisas.
Essa diferença entre religião e
verdadeiro conhecimento de Deus levou, no século XVIII, à ideia de religião
natural ou deísmo. Voltando-se contra a religião institucionalizada como poder
eclesiástico e poder teológico-político, os filósofos da Ilustração afirmaram a
existência de um Deus que é força e energia inteligente, imanente à Natureza,
conhecido pela razão e contrário à superstição.
Observamos, portanto, que as
críticas à religião voltam-se contra dois de seus aspectos: o encantamento do
mundo, considerado superstição; e o poder teológico-político institucional,
considerado tirânico.
No século XIX, o filósofo
Feuerbach criticou a religião como alienação. Os seres humanos vivem, desde
sempre, numa relação com a Natureza e, desde muito cedo, sentem necessidade de
explicá-la, e o fazem analisando a origem das coisas, a regularidade dos
acontecimentos naturais, a origem da vida, a causa da dor e da morte, a
conservação do tempo passado na memória e a esperança de um tempo futuro. Para
isso, criam os deuses. Dão-lhes forças e poderes que exprimem desejos humanos.
Fazem-nos criadores da realidade. Pouco a pouco, passam a concebê-los como
governantes da realidade, dotados de forças e poderes maiores do que os
humanos.
Nesse movimento, gradualmente,
de geração a geração, os seres humanos se esquecem de que foram os criadores da
divindade, invertem as posições e julgam-se criaturas dos deuses. Estes, cada
vez mais, tornam-se seres onipotentes, oniscientes e distantes dos humanos,
exigindo destes culto, rito e obediência. Tornam-se transcendentes e passam a
dominar a imaginação e a vida dos seres humanos. A alienação religiosa é esse
longo processo pelo qual os homens não se reconhecem no produto de sua própria
criação, transformando-o num outro (alienus),
estranho, distante, poderoso e dominador. O domínio da criatura (deuses) sobre
seus criadores (homens) é a alienação.
A análise de Feuerbach foi
retomada por Marx, de quem conhecemos a célebre expressão: “A religião é o ópio
do povo”. Com essa afirmação, Marx pretende mostrar que a religião –
referindo-se ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamismo, isto é, às religiões
da salvação – amortece a combatividade dos oprimidos e explorados, porque lhes
promete uma vida futura feliz. Na esperança de felicidade e justiça no outro mundo, os despossuídos,
explorados e humilhados deixam de combater as causas de suas misérias neste mundo.
Todavia, Marx fez uma outra
afirmação que, em geral, não é lembrada. Disse ele que “a religião é lógica e
enciclopédia popular, espírito de um mundo sem espírito”. Que significam essas
palavras?
Com elas, Marx procurou mostrar
que a religião é uma forma de conhecimento e de explicação da realidade, usadas
pelas classes populares – lógica e enciclopédia – para dar sentido às coisas,
às relações sociais e políticas, encontrando significações – o espírito no
mundo sem espírito -, que lhes permitem, periodicamente, lutar contra os
poderes tirânicos. Marx tinha na lembrança as revoltas camponesas e populares
durante a Reforma Protestante, bem como na Revolução Inglesa de 1644, na
Revolução Francesa de 1789, e nos movimentos milenaristas que exprimiram, na
Idade Média, e no início dos movimentos socialistas, a luta popular contra a
injustiça social e política.
Se por um lado na religião há a face opiácea do conformismo, há, por
outro lado, a face combativa dos que
usam o saber religioso contra as instituições legitimadas pelo poder
teológico-político.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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