Imanência e transcendência
Quando estudamos o sagrado,
vimos que, em inúmeras culturas, os seres e objetos sacros habitam o nosso
mundo, são imanentes a ele. As primeiras experiências religiosas são por isso panteístas (theos, em grego, significa deus; pan, em grego, significa todos, tudo), ou seja, nelas tudo são
deuses e estes estão em toda a parte, espalhados pela Natureza. Os seres tomam
parte na divindade, motivo pelo qual possuem mana, orenda e tunpa. O ntu africano exprime a concepção da imanência panteísta.
Ao contrário das religiões
panteístas ou da imanência dos deuses no mundo, as religiões teístas são
transcendentes, isto é, os deuses estão separados do mundo natural e humano,
vivem noutro mundo e agem sobre o nosso. É assim, por exemplo, que os deuses
gregos, embora tenham forma humana, vivem no monte Olimpo, e Jeová, que possui
atributos humanos (como a voz), vive no monte Sinai. Eis por que, nas religiões
da transcendência, fala-se na visitação
dos deuses para referir-se aos momentos em que, nos rituais, comunicam-se com
os seres humanos.
Nas várias religiões da
transcendência, a visitação divina não é problemática porque os deuses possuem
formas materiais – animais, como na religião egípcia, humanas, como nas
religiões grega e romana. A visitação é um problema na religião cristã, porque
o Deus cristão é duas vezes misterioso e totalmente diferente das formas
existentes no mundo: em primeiro lugar, é constituído por três pessoas que são
uma só; em segundo lugar, é eterno, incorpóreo, infinito, pleno e perfeito.
Donde o caráter totalmente incompreensível e terrível da encarnação de Jesus
Cristo, pois como explicar que uma das pessoas da Trindade se separe das outras
para vir habitar entre os homens e que um ente eterno, imaterial e infinito
tome a forma material, mortal, finita, carente e imperfeita do humano?
Para superar as dificuldades, o
cristianismo fala na visitação de Deus através dos anjos e santos, e na
inspiração do Espírito Santo, enviado pelo Pai.
Fonte: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed.
Ática, 2000.
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